Eles a chamaram de maior descoberta da história humana.
As civilizações da galáxia a chamam de Mass Effect."
É assim que se inicia um dos maiores títulos de ficção científica que eu já conheci - a que se tornou a minha favorita de todas as mídias, minha saga favorita nos videogames. Se você me conhece bem ou se visita o Vão Jogar! com certa frequência, sabe que minha franquia favorita dos games era Assassin’s Creed. Sim, era. Ela agora é apenas minha segunda franquia favorita e eu espero, sincera e humildemente, que este meu escrito consiga explicar o porquê, por mais difícil que seja expressar essa coisa chamada sentimento.
De prontidão, afirmo com toda certeza que, se você é fã de Star Trek, Star Wars e Battlestar Galactica, a série Mass Effect é exatamente a sua praia. Até mesmo se você assistiu Starship Troopers, como eu, vai se identificar em alguns aspectos. Eu encontrei semelhanças até com O Segredo do Abismo.
Mass Effect é um universo de escolhas
Para quem não conhece, Mass Effect é uma trilogia híbrida com elementos de RPG e Third-Person Shooter. Você pode chamá-lo de Action RPG, se quiser. Teve seu primeiro jogo lançado em 2007 e quando paro para pensar nisso, me pergunto porque diabos demorei tanto para jogá-lo. Vou tentar não dar spoilers sobre o jogo, até porque algumas pessoas que conheço - e que sei que irão ler esse escrito - ainda não jogaram a saga. Na verdade, pretendo expor mais acerca das minhas impressões sobre a essência do universo Mass Effect do que de seus aspectos técnicos.
Mas falando rapidamente sobre aspectos técnicos, devo afirmar que minha experiência com a saga foi com o PlayStation 3 e o primeiro jogo foi lançado, à princípio, apenas para Xbox 360 e PC. Dessa forma, se você jogou (ou vai jogar) a trilogia no PlayStation 3, não se deixe levar por alguns bugs e outros probleminhas que possam ter surgido por se tratar de um port, ou pela falta de física do Mako ao explorar planetas, ou pela repetitividade das sidemissions: o primeiro Mass Effect é uma obra prima, tanto quanto os outros, além de conter momentos e decisões importantíssimas que afetarão o desenrolar da história nos demais jogos, além de alimentar substancialmente seu background de informações.
Mais importante ainda, a série possui um sistema de importação de personagem e decisões, ou seja, as decisões tomadas pelo jogador ficarão arquivadas no save file e, ao iniciar o próximo jogo da franquia, você poderá exportar seu personagem, bem como o registro de todas as decisões que você tomou no jogo anterior. Caso você não tenha um save anterior, o jogo irá considerar decisões aleatórias, e eu realmente não recomendo que você jogue dessa forma. Para você ter uma ideia do quanto isso influencia em seu jogo, a combinação de algumas decisões e diálogos de Mass Effect 1 com Mass Effect 2 geram cerca de mil variáveis em Mass Effect 3.
E é por isso que também recomendo: não jogue com o Shepard padrão. Você estará perdendo a oportunidade de criar algo que é realmente seu, que realmente te representa, o que aumenta a sua imersão no universo Mass Effect. Outra questão que posso reforçar é: se possível, jogue com UMA Shepard. Jennifer Hale fez um trabalho magnífico ao fazer o voice acting da FemShep e consegue passar emoções de uma forma brilhante. Ela dá vida à Shepard. A voz do MaleShep não é ruim, mas em minha opinião, não consegue passar emoções tão bem. Não me cativou. É uma voz genérica (se não conhece os trabalhos de Jennifer Hale, pode dar uma olhada nesse vídeo aqui).
O seu personagem - sua ou seu Commander Shepard - não é sua criação apenas no aspecto físico, mas também no aspecto emocional. Ele/a é uma representação do seu próprio eu em um universo extremamente rico em detalhes e onde os humanos não são os favoritos.
Como eu disse lá em cima, quem gosta de ficção científica sabe que o gênero é um dos que melhor lidam com questões morais e étnicas, com as relações sociais e, principalmente, com o propósito dos seres humanos. Com Mass Effect não é diferente. Todas essas questões são abordadas no jogo desde a criação do seu personagem, visto que Shepard pode ser mulher, afrodescendente e bissexual, tudo ao mesmo tempo, algo que você não veria nunca em um filme de ficção científica dos anos 60/70 (ou até mesmo hoje), por exemplo, e isso por si só já representa uma quebra de paradigmas. O mais interessante é que isso possibilita que sua/seu Shepard seja único e, mais ainda, que essas questões de raça e sexualidade é o que menos importa no contexto da civilização humana em Mass Effect.
Por mais que eu quisesse agir como um simples personagem do jogo, logo eu estava agindo como eu mesma, colocando os meus valores pessoais nas respostas e decisões que eu tomava. As decisões de Mass Effect são uma questão de narrativa, ela não vai influenciar em nada no seu combate: a dificuldade das batalhas do jogo não vai ser afetada por suas escolhas. A dificuldade das suas relações com os demais personagens do jogo, sim.
A roda de diálogo de Mass Effect permite que você tenhas as mais variadas respostas em uma conversa e a emoção é um fator determinante nas decisões que você tomar. Você pode expressar desdém, alegria, preocupação e uma série de outras emoções. Suas atitudes influenciarão diretamente na sua reputação, o que pode abrir novas opções de diálogos em determinadas situações e afetar consideravelmente as consequências. As escolhas erradas podem até ser responsáveis pela morte de algum membro de sua equipe. Mass Effect é um jogo não apenas de exploração de planetas e sistemas, mas de exploração de caráter também.
Mass Effect é um universo de diversidade
E quando eu uso a palavra diversidade, não me refiro apenas ao que já foi exposto acima, como diversidade de reações, interações ou de customização de seu personagem. Mass Effect também é rico em diversidade de raças e rico em detalhes de sua história. Ao chegar em Citadel pela primeira vez, por exemplo, não ache que você vai encontrar uma grande quantidade de humanos perambulando por lá. Na verdade, humanos são a raça que você menos verá. Você encontrará os Turians, raça disciplinada de cultura militar conhecida por sua ética. Ou os Krogans, uma sociedade reptiliana recrutada para impedir a invasão de "insetos inteligentes" (quem já viu Starship Troopers?) e que sofre com o risco da extinção de sua espécie pelo Genophage, uma arma biológica criada pelos Salarians que faz com que 99 a cada 100 kroganzinhos nasçam mortos. Ou as Asaris, uma espécie composta apenas de fêmeas com um ciclo de vida de milênios, uma das raças mais poderosas e respeitadas da galáxia. Ou os Quarians, que são uma raça nômade que criou sintéticos inteligentes e entrou em guerra com os mesmos (Battlestar Galactica e os Cylons mandam lembranças). Cada raça em Mass Effect é um novo mundo rico em detalhes.
Ao jogar Mass Effect, você tem um Codex onde ficam armazenadas informações diversas sobre o universo do jogo, incluindo raças, tecnologias, lugares e acontecimentos. Sempre que algo novo aparece no Codex, eu leio e aprendo sobre o universo do jogo pois, por mais que você esteja no ano dois-mil-cento-e-lá-vai-pedra, as relações interraciais no jogo são embasadas em acontecimentos diversos, em diversas épocas da história do universo. Fatos históricos como as Rachni Wars, a First Contact War e as Krogan Rebellions são itens-chave para entender alguns comportamentos entre uma raça e outra. A importância de tais fatos históricos é tão grande que fica evidenciada em diversos diálogos. Você sempre vai encontrar alguém, algum humano, que vai dizer que estudou sobre uma ou outra raça nas aulas de história.
O mais importante de tudo é que você terá representantes das principais raças em sua equipe. E você aprenderá muito mais com eles, sobre suas culturas, seus hábitos e, principalmente, sobre eles mesmos, e vai ver o quanto o passado deles influencia no que eles são. Em Mass Effect 2, você poderá fazer as chamadas Loyalty Missions de seus companheiros, ajudando-os e conhecendo melhor suas histórias pessoais. É aí que você percebe que aquela menina chata, antipática e que parece só se preocupar com a missão, na verdade tem alguém na sua vida que depende dela mais do que qualquer coisa no mundo. Que alguém tem que superar a dificuldade de sacrificar algo que ama pelo bem maior. Que o assassino que você achava ser sangue frio e calculista na verdade é um cara com uma espiritualidade e senso de dever bem maior do que qualquer outro que você já conheceu. Mass Effect é algo mais que a raça humana. É algo mais que a galáxia. Mass Effect é tanto sobre quem é você quanto sobre quem está com você. São companhias apaixonantes com histórias cativantes. Logo, apesar de seu uma franquia baseada em ficção científica com o mínimo possível de technobabble e o máximo possível de embasamento científico, em sua essência, no núcleo de tudo, Mass Effect é um drama social e essa mistura de estilos causa um certo equilíbrio da narrativa que agrada aos mais diversos jogadores.
Você pode encontrar essa mesma diversidade de raças e fatos históricos muito bem representadas em Star Wars ou Star Trek. No entanto, enquanto esses dois tratam a raça humana com um espaço maior e mais respeitados na sociedade galáctica - como Luke Skywalker e Capitão Kirk como melhores exemplos - em Mass Effect os humanos são os novatos na sociedade interestelar. Pior: nós estamos entre as espécies de segunda classe. O próprio conselho intergaláctico é formado por outras raças, sem a participação humana. Os humanos lutam contra o preconceito de outras raças para provarem que são importantes e que merecem espaço. Sendo assim...
Mass Effect é um universo de Cosmicismo
Ou seja, a raça humana não é nada além de insignificante. O primeiro Mass Effect, principalmente, lembra você a todo instante que você é um humano e que não pode trazer benefício algum às outras formas inteligentes de vida, afinal, como Javik fala em Mass Effect 3: "Human, I met your ancestors long ago. They were living in caves, throwing rocks at wildlife."
Para quem não é familiarizado com o conceito de Cosmicismo, o termo foi criado por H.P. Lovecraft e designa uma filosofia que declara que "não há presença divina reconhecível, tal como um deus, no universo, e que os humanos são particularmente insignificantes no esquema maior da existência intergaláctica, e que talvez não passem de uma pequena espécie projetando suas próprias idolatrias mentais ao vasto cosmos, estando eternamente suscetível à possibilidade de ser varrida da existência a qualquer momento. Esta ideia também sugere que a humanidade inteira não passa de criaturas que possuem exatamente a mesma relevância e significância que plantas e insetos, mas em uma luta muito maior com forças igualmente muito maiores que, dada a pequeníssima e insignificante natureza desprovida de visão do ser humano, o mesmo não reconhece".
Sim, o Cosmicismo é um tapa na cara da sociedade. E é exatamente como os humanos são inicialmente vistos em Mass Effect, o que é reforçado pelo que nos é dito ao longo do jogo: "Vocês [humanos] existem porque nós permitimos. E vocês vão acabar porque nós queremos". O próprio roteirista da série - Mac Walters - confirma essa inversão de valores em uma entrevista, quando diz que eles inseriram "essa complicação [...] de que a humanidade não está no centro de tudo. Shepard encarna isso, nunca realmente confiado, nunca realmente apoiado", ou seja, nós somos os verdadeiros alienígenas.
Você não vai criar um personagem respeitado na galáxia, e isso desestabiliza a autoconfiança do jogador. Os humanos não estão em posição privilegiada. Você não vai controlar um personagem que vai resolver todos os seus problemas contando apenas com a ajuda dos humanos, você precisa das outras raças mais do que elas precisam de você. E por essas outras raças terem papel tão fundamental no universo e na vida de seu personagem é que você se importa tanto com elas. Tanto ao ponto de não ser incomum você ouvir vários jogadores dizerem que gostariam de jogar como um Turian ou como uma Asari, por exemplo. E não é à toa que as principais escolhas de romance nos jogos são pelos personagens de outras raças também.
Mass Effect coloca a raça humana em um mundo sem deuses e onde somos irrelevantes. Em meio à tensão dos tiroteios, aos dilemas das relações interpessoais, aos romances e amizades construídas, Mass Effect trata principalmente de companheirismo, perseverança e sobrevivência, por quem e por quê realmente vale a pena lutar, não apenas da existência de vida inteligente em outros planetas. Mass Effect te faz repensar o mundo e o universo de outra maneira.
* Revisado em 19/12/2016 às 01:59:47
Compartilhe