Jogos de sobrevivência (ou o que quero dizer com isso)
Apesar de estar usando um termo existente que nomeia todo um gênero de jogos, acho importante definir o que são “jogos de sobrevivência” neste texto. A descrição do gênero é irrelevante para a discussão, e estou interessado especificamente em jogos que:
- Consistam de um mundo aberto para ser explorado;
- Ofereçam recursos que serão coletados e processados; e
- Exijam do jogador exploração e coleta para prolongar sua sobrevivência.
Para exemplificar a definição que estou usando, temos o famoso Minecraft, os não-tão-famosos-quanto Don’t Starve e Project Zomboid, e o objeto de estudo Dig or Die.
A narrativa nestes jogos, quando existe, costuma resumir-se a uma pincelada introdutória e um desfecho de sucesso. Talvez você acorde em um mundo fantasioso e consiga derrotar o guardião que te prende nele; ou talvez presencie o início do apocalipse e acabe reconstruindo a civilização como a conhecemos. De uma forma ou de outra, o consumo desta narrativa leva alguns segundos, mas a experiência do jogo pode chegar a dezenas de horas. Que estratégias podem, então, ser utilizadas para segurar o jogador por tanto tempo sem um input narrativo?
Main game loop
O ciclo de jogo, também conhecido como game loop ou main game loop, representa o fluxo de ações do jogador que descreve sua experiência no jogo. Em jogos de sobrevivência, o ciclo de jogo sempre começa com (1) o consumo de recursos para continuar vivo, causando sua escassez na região, o que motiva (2) a exploração de novas áreas para que novas fontes sejam encontradas, que por sua vez (3) promove conflitos com monstros ou o passar do tempo, que exige (1) o consumo de recursos.
Para trazer um elemento de estratégia e uma sensação de dominação para o jogador, estes jogos oferecem uma mecânica de renovação de recursos. A construção de hortas, criações de animais, geradores de energia, coletores de chuva e outras estruturas semelhantes motivam-lhe ao recompensar a “colonização” do ambiente hostil onde ele foi colocado. Um estímulo para o ego ao invés de uma submissão nômade atrás da benevolência do mundo. Esta mesma mecânica, no entanto, quebra o ciclo que movia a experiência. Quando a sustentabilidade de recursos é atingida, (2) e (3) deixam de ser motivados e o jogo pode tornar-se entediante de uma hora para outra.
Buscando manter o ciclo vivo, Don’t Starve e Project Zomboid adicionam pressão externa à experiência. Enquanto o primeiro traz estações do ano com situações extremas de temperatura, o segundo corta o suprimento de água e eletricidade à medida que os dias passam. O objetivo das duas soluções é destruir a estabilidade que o jogador conquistou usando ações do desenvolvedor do jogo.
Minecraft, por sua vez, tenta mudar a experiência do jogador quando a estabilidade é alcançada. Oferecendo um mundo virtualmente infinito em tamanho e uma variedade cada vez maior de blocos de construção, os limites deixam de ser ditados pela necessidade de sobreviver, que passa as rédeas para a curiosidade e criatividade. Isso forja um novo ciclo, não necessariamente estático, que pode ser modificado pelo próprio jogador.
Dig or Die
Dig or Die se passa em um planeta remoto, onde um representante da CRAFT&CO, empresa produtora de ferramentas automáticas, torna-se um náufrago quando sua nave sofre uma falha e cai no planeta. A partir dos recursos minerais, vegetais e animais do mundo, o jogador deve construir um foguete capaz de tirá-lo de lá. Não há medidores de fome, sede, sanidade ou energia para serem gerenciados, apenas sua vida.
Minerais mais resistentes e criaturas mais fortes contêm recursos necessários para equipamentos mais avançados, e eles estão distribuídos pelo planeta, habitando-o de forma quase pacífica. Toda noite, no entanto, o jogador é atacado freneticamente pelas espécies de criaturas que ele tenha matado ao menos um exemplar. Ou seja, avançar sua aquisição de recursos implica aumentar o desafio do jogo deste ponto em diante.
É até possível atingir uma estabilidade entediante, mas para isso é necessário literalmente parar de jogá-lo. Partiria do jogador a interrupção do ciclo, e basta que ele aplique alguma tração para que o jogo exija que ele continue a alimentar a máquina. Equivale-se, eu diria, a um hamster que, ao movimentar sua roda de exercício, precisa continuar correndo para não ser lançado para fora.
Concluindo
A solução de Dig or Die para manter o ciclo de jogo ativo provavelmente não é mais cativante que as dos outros jogos mencionados, com os quais tive experiências mais duradouras. Ainda assim, considero-a extremamente elegante, por manter o ciclo deste gênero de jogo intacto; e imersiva, por usar uma ferramenta que combina o comportamento do mundo do jogo com a interação do jogador. Ela faz uso da relação entre necessidade e oportunidade que tenho abordado, e acredito que seu estudo possa inspirar soluções de game design que criem mundos mais independentes da interferência dos desenvolvedores. Os esforços deles podem, então, ser direcionados para outros aspectos do jogo que conquistem o jogador.
* Revisado em 02/10/2017 às 18:44:34
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