Apresentando a ludonarrativa
Primeiramente, acho importante abordar o termo “ludonarrativa”, que aprendi há pouco tempo e creio que me ajudou a construir minha análise. Trata-se da conexão entre a jogabilidade e a narrativa de um jogo, mais especificamente como suas ações como pessoa, quando traduzidas para o personagem jogado, compõem a narrativa que é contada de outras formas, como textos, diálogos, cenas.
Por exemplo, a possibilidade de um personagem matar pessoas casualmente enquanto anda pela cidade segue paralelamente à narrativa do jogo. Caso trate-se de um psicopata com o objetivo de destruir a sociedade, estamos falando de uma consonância ludonarrativa. Mas se o personagem é descrito com um posicionamento neutro ou bondoso perante as pessoas, passamos a lidar com uma dissonância.
Com isso em mente, pretendo mostrar como em alguns jogos os desafios propostos ao jogador complementam a narrativa e contribuem para a imersão.
Jogos Metroidvania
Há debate a respeito do nome, origem e características exatas deste gênero, mas nenhum destes pontos é relevante para esta discussão. Creio que basta uma citação wikipediana sobre a essência desses jogos:
“...em geral apresentam um mundo grande e interconectado que o jogador pode explorar, apesar de o acesso a partes deste mundo ser obstruído por portas ou outros obstáculos que só podem ser atravessados uma vez que o jogador adquira itens, ferramentas, armas ou habilidades especiais dentro do jogo.”
Esta ideia de um mundo interconectado traz a principal diferença em relação a jogos segmentados. Neles, ter sido capaz de chegar a determinada fase costuma ser garantia de se ter as ferramentas necessárias para passá-la. Já no gênero Metroidvania, explorar o mundo é um elemento intrínseco à jogabilidade, não à narrativa. E deparar-se com obstáculos, por sua vez, é um elemento intrínseco à exploração. Desta forma, encontrar e ter em mente estes obstáculos passa a dar sentido à exploração e à procura por soluções, sem que um mentor ou narrador precise lhe dizer isso.
Mas há um elemento extra, que considero um polimento especial nos bons jogos do gênero: quando o item, ferramenta, arma ou habilidade encontrada tem seu efeito além do obstáculo óbvio que impede passagem por uma porta. Encontrar o Address Disruptor em Axiom Verge, por exemplo, lhe permite destruir blocos específicos que estão no seu caminho. No entanto, também permitem passar por seções com muitos monstros mais facilmente, ou encontrar alguns segredos com a devida atenção. Exemplos análogos estão na maioria da franquia Metroid e em outros jogos da série Castlevania, com pulos duplos e certas armas. A ideia nestes exemplos é que a posse da ferramenta permite ao utilizador ir além do óbvio e mudar o mundo onde tem se aventurado.
No caso do novo Castlevania, encontrar uma porta diferente vem junto de uma mensagem dizendo “ainda não tenho a habilidade necessária para abri-la” e, quando a habilidade é inevitavelmente encontrada, uma vez que o jogo é relativamente linear, ela serve quase somente para abrir aquele tipo de porta. Eu diria, sem muito medo de errar, que é possível trocar todos os obstáculos do jogo por portas que exigem chaves de cores diferentes, todas as habilidades por estas chaves coloridas, e a experiência seria a mesma. A única ferramenta utilizada para acessar áreas secretas, o grappling hook, não exige criatividade ou familiaridade do jogador, já que os pontos onde ela pode ser usada brilham como a luz do Sol para facilitar.
Concluindo
O que espero trazer com essa análise é que parte importante de um bom uso do gênero Metroidvania é a narrativa e o personagem avançarem junto da habilidade do jogador, ou seja, a indispensabilidade de um bom trabalho com a ludonarrativa. A necessidade levar à oportunidade é inerente ao gênero, mas o jogo permitir explorar esta oportunidade é parte de um charme não trivial. Quando seu esforço humano deixa de ser recompensado, agora que pontos de utilização brilham e o mapa lhe diz quantos segredos faltam ser encontrados e em quais cômodos estão, tudo se desenvolve a partir de texto e cenas, e talvez seja mais interessante ler um gibi ou assistir a um filme.
* Revisado em 18/08/2017 às 19:48:09
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