Quem já acompanha o meio de jogos eletrônicos há algum tempo, deve estar acostumado a ouvir a palavra "censura". Seja por terem trocado algum decote feminino por outra vestimenta mais coberta ou o foco em um tapa na bunda retirado, basta entrar na seção de comentários de qualquer notícia similar e ver a enxurrada de xingamentos e gritos pedindo "liberdade de expressão". Ah, a exaltação hiperbólica dos jogadores de videogame...
Independente do posicionamento ideológico de cada um, que não é o que eu quero discutir aqui hoje, para falar sobre censura, primeiro é preciso entender melhor o que isso realmente significa.
Apesar de não ser de fato o assunto da maioria dos casos, é bem comum as pessoas terem um entendimento errado sobre o que é liberdade de expressão, o direito fundamental que todos temos de expressar as nossas ideias sem medo de qualquer impedimento. O problema começa quando as pessoas não enxergam a linha tênue entre "poder expor as suas ideias" e "poder falar o que quiser". Liberdade de expressão não dá o direito a ofensa. Também temos que entender que mesmo um ideal bem exposto e argumentado, poderá gerar uma reação contrária. Guardem esse parágrafo, ele vai fazer sentido mais para frente.
Outro ponto que sempre é confuso também é com relação a própria definição de censura, que é justamente o cerceamento do direito a liberdade de expressão. Aqui no Brasil, durante o período da Ditadura Militar (1964 - 1985), foi muito comum o uso da censura contra qualquer um que criticasse o governo e suas práticas (em especial a tortura), seja através de qualquer tipo de manifestação. Você já deve ter escutado sobre histórias de vários artistas censurados, que tinham que usar de subterfúgios para passar as suas mensagens sem ter faixas inteiras de seus discos riscadas manualmente caso o crivo do governo falhasse em um primeiro momento. Sim, tudo era analisado previamente para saber se podia ou não ser feito.
E qual a exata relação disso com jogos? Pois é, praticamente nenhuma. Os casos de censura real aos jogos não são tantos quanto se alegam, embora eles realmente existam. Aqui no Brasil, por exemplo, é só lembrar do caso envolvendo Counter Strike, que teve a sua venda proibida no país após uma decisão judicial, que alegava realismo extremo da violência e glorificação de traficantes no jogo, a despeito da classificação etária e de que muitos dos pontos apresentados na verdade faziam referências a mods.
Porém, na maioria das outras vezes em que a "carta da censura" é invocada, o que temos na verdade é uma bela confusão. Muito se é falado sobre como os produtores estão tendo o direito a expor a sua visão negado, o que até de fato pode ocorrer, mas também muito se esquece que jogos são propriedades intelectuais das empresas e as mesmas podem alterar o seu produto o quanto quiser, seja por qual for o motivo, que normalmente é o que é o foco das discussões. Aliás, só o fato das empresas terem a liberdade de poderem alterar os seus títulos como quiserem já invalida o argumento da censura.
Aliás, na maioria das vezes, as empresas estão visando no final das contas o lucro. Quando um jogo japonês chega ao ocidente trazendo roupas mais recatadas para as meninas, não é porque os diretores da empresa são ultraconservadores, muitas vezes é simplesmente uma manobra para se enquadrar em uma classificação etária menor do que a original, de modo a atingir um publico maior. Em outras situações, quando algo é alterado após reclamações de grupos de jogadores, o que as empresas querem é simplesmente não se indispor com uma parcela do publico que eles julgam importante, seja por reconhecimento e posicionamento ideológico, ou seja pura e simplesmente pelo dinheiro mesmo. Ou seja, continuar dizendo que "o mundo está ficando muito chato" não vai fazer ninguém voltar atrás e deixar as coisas como antes. O engraçado é que muito pouco se é falado sobre as alterações feitas devido a questões religiosas, como já ocorreu em jogos famosos como Chrono Trigger e Ocarina Of Time. E apesar de muitas vezes soar como desculpa, existem adaptações culturais legítimas em muitas dessas alterações. Não é porque você tem conhecimento sobre uma determinada cultura e entende as suas nuances, que o restante das pessoas que são publico alvo também irão saber.
No final das contas o que devemos ter em mente é que independente do motivo, jogos são alterados por decisão das próprias empresas e não porque alguma autoridade disse o contrário. Debater sobre as motivações que levaram a determinada alteração é algo totalmente válido, mas isso deve ser feito de maneira coerente, avaliando o quanto a alteração realmente impacta na proposta do jogo e levando em consideração que as suas preferências são apenas suas e não determinam como as coisas deveriam ser, afinal, isso sim seria censura.
* Revisado em 16/02/2021 às 23:45:47
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