Pessoalmente, por mais inocente que seja, eu acho essa busca bem problemática. Falando de relacionamentos, eu sempre achei um erro as pessoas buscarem por coisas muito específicas no outro. Claro que é ótimo conhecer alguém com os mesmos gostos que o seu, isso facilita muito no princípio com as conversas e atividades juntos, mas a longo prazo não é o que vai fazer diferença. Sim, é preciso que se tenham afinidades, existem características básicas que cada um prioriza ao conhecer outra pessoa, mas eu não vejo o gosto por jogos como um fator decisivo para um relacionamento em qualquer cenário, por isso considero um erro quando pessoas focam apenas nessa característica.
Claro que existem casais que jogam juntos, eu mesmo conheço mais de um e não há nada de errado com isso, até porque o "jogar videogame" é só uma das muitas atividades de ambos, mas não é o que os mantém unidos. No meu caso, a pretendente não torcendo a cara quando eu digo que jogo, faço coleção e tenho um site sobre, já é mais do que suficiente, é puramente uma questão de respeito pelas minhas atividades, que por um acaso são jogos.
Mas eu sei que a maioria de vocês ainda vai estar suspirando na frente do computador ou celular, mesmo após lerem essa breve opinião, então vamos a alguns fatos, para que ao menos vocês entendam um pouco melhor o "problema" dessa busca de vocês.
Jogar videogame não torna ninguém especial
Esse é um fato que muitos fazem questão de ignorar, mas a dura e cruel realidade é que jogar videogame, não importa o quão bom você seja, não te faz melhor que ninguém como pessoa. NINGUÉM! Na melhor das hipóteses, dependendo do tipo de jogo no qual você é bom, você terá uma vaga em alguma equipe de e-sport e conseguirá uma boa grana, o que hey, é bom para cacete, mas ainda não lhe torna um ser humano superior. Isso muitas vezes acaba sendo tão irrelevante, que nem mesmo para escrever bem sobre jogos é necessário ser bom neles, uma vez que senso crítico não tem relação direta com habilidade, motivo pelo qual contestações como "então vai lá e faz melhor" ou "você está falando mal porque não sabe jogar" são tão sem sentido.
E o motivo de eu estar falando isso, é justamente para que tiremos esse status de jogador do pedestal. Jogar videogame é uma atividade completamente comum, tanto para homens quanto para mulheres, portanto idealizar alguém com ela como se fosse algo extraordinário não faz nenhum sentido. Aliás, aqui no Brasil, existem muito mais mulheres jogando do que homens, ou seja, nem é algo raro para que se faça todo esse drama em cima.
Os gêneros e plataformas nas quais você joga também não lhe tornam especial
Eu sei que vocês clicaram no link do parágrafo acima, que diz que 52,6% do público de jogadores aqui no Brasil é composto de mulheres, e após lerem a matéria já estão com os seus argumentos prontos para me contestar. Eu já até sei o que irão dizer, que jogos de celular não são jogos de verdade, que vocês querem uma mulher que jogue Call Of Duty, Dark Souls, BlazBlue ou algo do tipo.
Essa é uma coisa contra a qual eu luto desde o seu surgimento, ou melhor, desde que ganhou uma forma mais definida com a divisão entre jogadores "hardcores" e "casuais". Não dá para você classificar jogos e pessoas dessa forma, todos nós sabemos que é perfeitamente possível jogar casualmente até mesmo Dark Souls, e existem pessoas que se dedicam ferrenhamente a Candy Crush tal qual você se dedica a coletar todas as penas em Assassin’s Creed 2. Acreditem, eu já testemunhei uma discussão sobre o puzzle de doces onde o pessoal debatia com o mesmo fervor com que nós discutimos sobre Street Fighter. Se achar "mais jogador" que os outros só por conta dos títulos e plataformas na qual você joga é simplesmente estúpido, ninguém é mais ou menos jogador do que o outro.
É bizarro também pensar que muita gente aí veio de uma tradição de mini-games e brick games, onde basicamente jogávamos inúmeras variações de Tetris, um dos melhores jogos já feitos e ainda sim, de acordo com os parâmetros atuais, casual, e não respeitar uma mina que gosta de jogar uma variante de Puzzle Booble no celular, o que é, mais uma vez, completamente sem sentido. Quer dizer, sério mesmo que além de você estar a procura de alguém por conta de um gosto específico, ainda está querendo definir o perfil dessa pessoa dentro desse gosto também? Se você curte RPG e jogos de luta, e ela MOBA, então nada feito? Caso você não entenda o motivo disso ser errado a nível humano, pense ao menos que só está diminuindo as suas chances... e depois se esforce para entender o lado humano e esqueça os números.
Mulheres que jogam existem aos montes, só que nós as afastamos da "comunidade" antes de as conhecermos
A esta altura acho que já deixei bem claro que essa coisa de que não existirem mulheres que jogam videogame é balela, certo? Mas então porque sempre há essa impressão de que a comunidade de jogadores é composta quase que exclusivamente por homens? A resposta é: por que nós homens as afugentamos.
Quem nunca ouviu um relato ou até mesmo presenciou: basta uma mulher se apresentar como tal em um ambiente virtual, e imediatamente ela é assediada de todas as formas possíveis, seja recebendo pedidos de namoro ou solicitações de nudes. Já pensaram que elas, sei lá, de repente só querem... jogar?!
Some a isso o fato de que apesar de toda a reivindicação de que jogos devam ser considerados arte, ainda não atingimos a maturidade suficiente enquanto comunidade para discutir questões sociais dentro dos jogos e da indústria, como o sexismo existente nesse meio e também das questões de representatividade, que sempre recebem diversas críticas negativas quando são postas a mesa para debate. Basta lembrar do emblemático caso do Gamergate, onde a desenvolvedora Zoe Quinn e a jornalista Anita Sarkeesian chegaram a receber ameaças de morte devido a uma série de acusações infundadas por parte do grupo. Não preciso nem dizer que não importa o quanto você discorde da opinião de alguém, ameaçá-lo de morte não é uma coisa muito legal, certo? Aqui mesmo no Vão Jogar! já aconteceu de eu ter que moderar comentários em escritos da Angela, que felizmente não eram ameaças tão graves, mas onde basicamente ela foi atacada por ser uma mulher que criticou o jogo preferido de um homem.
Alguns vão argumentar que jogos deveriam ser só sobre diversão e que isso não deveria ser pauta, mas lamento dizer que estar envolvido em questões sociais é algo que faz parte da arte desde sempre. Não se pode utilizar isso apenas como um status para demonstrar que o seu hobby não é coisa de criança, é preciso também assumir as responsabilidades inerentes a ele.
Então se vocês acham que existem poucas mulheres nas comunidades de jogadores, que tal colaborarem para que o ambiente seja menos hostil para elas? No final das contas, todos saem ganhando. Encare-as primeiro como jogadoras, afinal, é para jogar que todos nós estamos nesse meio, não é mesmo?
Ah, e antes que eu me esqueça, não utilizem isso uma tática para conseguir uma namorada. Não se trata disso, se trata de aprender a respeitar as pessoas, e isso é mais importante para um relacionamento do que jogar videogame.
Você procura por uma namorada ou um achievement?
Passando por esses pontos, o maior problema que vejo no assunto, é que a maioria dos caras que dizem que querem uma namorada que jogue videogame com ele não querem uma namorada de verdade, querem um troféu, alguém para mostrarem para os amigos o quão "foda" ele é, uma mulher para poder passar o final de semana inteiro jogando videogame sem preocupação e depois levar para a cama. Ah sim, a maioria pode não falar muito sobre isso, mas a verdade é que isso muitas vezes não passa de um grande fetiche sexual, transar com a mulher que joga videogame.
Se você quer alguém para jogar ou conversar sobre jogos com você, não precisa de buscar uma namorada para isso, chame os seus amigos, seja pessoalmente ou virtualmente. Relacionamentos não são, ou ao menos não deveriam ser, só sobre jogar videogame o tempo todo e depois dar uns amassos, ao menos não o tempo todo. Existem muito mais coisas para se aproveitar, e no final das contas você vai perceber que jogos realmente nem são tão importantes nessas horas. Aliás, já parou para pensar também que às vezes você pode acabar sendo o Player 2 de alguém? E se você pensou que ser o Player 2 é ruim porque é... o Player 2, então pense direito, porque existe um outro problema aí na sua lógica, que remete justamente ao lance do troféu.
Repensar e mudar essas coisas não é fácil mesmo, é um processo que leva tempo, é só olhar a minha própria trajetória com o Vão Jogar! e no quanto demorou para o teor dos textos chegar até onde está hoje, mas é preciso nos esforçarmos para que no final seja legal para todo mundo.
Nesse dia dos namorados, não se preocupem tanto com jogos ou em conquistar alguém que gosta de jogos, pessoas são muito mais que os seus hobbies e não devem ser medidas por eles, deixem que isso seja apenas uma mera característica dada pelo acaso. Então o que estão fazendo aqui ainda? Vão Namorar!!
* Revisado em 12/06/2019 às 12:00:00
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