É sempre complicado descrever jogos muito grandiosos ou extensos, e The Legend of Zelda: Breath of the Wild sem dúvida é um jogo grandioso e extenso. Porém o clássico poema "No meio do caminho" de Carlos Drummond de Andrade, o qual os versos mais conhecidos dão título a esta análise, com certeza servem muito bem para descrever o que é esse jogo: não se trata do objetivo, se trata do caminho até ele e seus percalços.
Desde A Link to the Past (SNES) que a série vem seguindo uma mesma estrutura, que salvo um desvio de rota ou outro, como Majora’s Mask (Nintendo 64), sempre entregava uma experiência muito similar. Skyward Sword (Wii) foi uma tentativa de mudar um pouco as coisas, mas ainda se viu preso a estrutura estabelecida e não soube lidar bem com as mudanças. A Link Between Worlds (3DS) foi melhor sucedido, mas também não foi o suficiente. Para que houvesse realmente um novo avanço para Zelda, era preciso de mais.
O primeiro passo para isso foi saber olhar para trás, em especial para o primeiro jogo da série. The Legend of Zelda (NES) não entregava nada mais do que um mundo aberto para que o jogador explorasse. Mesmo a caverna na primeira tela do jogo, onde você consegue a espada do velho que diz a celebre frase "It’s dangerous go alone! Take this.", pode ser ignorada por algum jogador desavisado por não conter nenhuma indicação ou chamariz especial.
Obviamente Breath of the Wild dá um pouco mais de direcionamento ao jogador, mas salvo a área inicial e os trechos relacionados a história principal, que tem indicações de objetivo mais claras e definidas, o restante do jogo inteiro é um grande "faça o seu próprio caminho". Você recebe todas as missões principais bem rapidamente, mas em nenhum momento há uma pressão para executá-las, muito menos uma ordem bem definida. Uma das coisas mais prazerosas desse jogo é justamente começar a explorar um local qualquer simplesmente porque parece interessante, e sem mais nem menos dar de cara com algum NPC que no final das contas te coloca em uma missão principal, sem que isso seja apenas um ponto no mapa. Aliás, mesmo que Breath of the Wild utilize o famoso artificio das torres para liberar novas áreas do mapa, tal qual um Assassin’s Creed, a grande diferença dele para os outros jogos de mundo aberto é que o mapa simplesmente vem marcado com a geografia da região, sem qualquer ponto que indique alguma cidade ou vila, apenas com nomes de montanhas, grandes lagos e afins, sendo que as marcações vão surgindo conforme você mesmo descobre as localidades ou as coloca manualmente. Algumas vezes você encontra algum personagem que irá lhe dar alguma indicação de lugar, seja para uma curiosidade ou para alguma missão secundária, mas mesmo essas indicações raramente são diretas, sendo mais algo como "fica em uma floresta ao sul daqui". Mesmo quando você define um objetivo e no final não encontra nada de especial ou necessariamente útil, a satisfação de simplesmente chegar ali e encontrar uma bela paisagem ou animal que ainda não havia visto já vale a pena, porque chegar até lá foi interessante. O jogo também costuma surpreender bastante com momentos inesperados, como se ver pego em meio a uma tempestade e ao procurar abrigo em um estábulo, ver outros NPCs correndo para fazer o mesmo, ou estar andando por algum lugar e ser surpreendido por alguma criatura mágica.
Outro ponto resgatado foi a total ausência de um companheiro de jornada, tradição que começou em Ocarina of Time (Nintendo 64) com a fada Navi. A lógica sempre foi a de que o jogador não deveria ficar sem saber o que fazer nunca, para que assim não se frustrasse com o jogo. O problema é que com o tempo nós (jogadores) passamos a nos sentir cada vez mais tratados como idiotas, ao ponto de que em Skyward Sword a personagem Fi por diversas vezes acabava completamente com a graça da descoberta com as suas indicações óbvias. Já em Breath of the Wild essa preocupação se mantém, mas é tratada de uma forma diferente e mais inteligente. Como no princípio você já recebe todas as ferramentas básicas para explorar o mundo de Hyrule através do Sheikah Slate, uma espécie de smartphone com aplicativos mágicos, o que é feito dali em diante é compor o cenário com tantas possibilidades, que inevitavelmente o jogador irá acabar encontrando alguma forma de alcançar o seu objetivo, sendo que nenhuma delas é mais correta do que a outra. Existe um diálogo do jogo em que uma NPC fala sobre abordar um local perigoso de diferentes maneiras, cada uma nomeada com o nome de uma das raças daquele universo, no entanto, a última opção fala sobre seguir o seu próprio estilo, o que define exatamente o que é jogar Breath of the Wild.
Ajuda muito também o fato de Link poder escalar praticamente qualquer coisa, salvo dentro dos templos e santuários. Não importa se o objetivo está no topo de uma montanha, tudo o que você precisa fazer para chegar lá é subir, apenas tomando cuidado para não acabar com sua stamina e torcendo para não chover, o que praticamente inviabiliza o processo. Sim, variações climáticas afetam a jogabilidade de diversas formas e é preciso estar preparado para cada uma delas. Aliás, escalar coisas é uma constante muito grande nesse jogo, assim como sair plainando de locais altos com o paraglider, mas não dá para dizer que Breath of the Wild é totalmente vertical, contando também com grandes lagos, que podem ser transpostos a nado, desde que sua stamina permita, velejados ou atravessados de alguma outra forma disponível, assim como vastas planícies, que podem ser exploradas de diversas formas, a pé ou com o auxílio de cavalos, que agora podem ser pegos e domados por Link, que pode guardar até cinco em qualquer um dos estábulos espalhados pelo mapa. Alguns vão ser mais velozes, outros mais resistentes, outros mais ariscos, portanto faz sentido você ter tipos variados para diferentes tipos de situação. E o conjunto de mecânicas voltadas para esta parte tornaram o ato de cavalgar por Hyrule algo muito gostoso. Infelizmente as batalhas montadas embora tenham voltado, não receberam muita atenção, se resumindo a combates básicos. Também é possível montar outros animais e criaturas, mas são coisas mais pontuais e não é possível registrá-los nos estábulos. E claro, para um mapa imenso, também existe o recurso de fast travel para qualquer santuário ou torre já visitada.
Para que toda essa liberdade e novidades funcionem, os desenvolvedores também foram corajosos o suficiente para abandonar ou modificar radicalmente varias pequenas tradições da série, trazendo ideias de outros gêneros e jogos, como ter que cozinhar alimentos coletados e comê-los para poder recuperar energia, ao invés de encontrar corações cortando grama, ou só encontrar rupias em baús de tesouro ou vendendo itens coletados pelo caminho. Existem vários outros exemplos que eu poderia dar nesse sentido, e no final muitos estariam se perguntando se no processo alguma coisa de Zelda sobrou no jogo, mas eu garanto que o principal ainda está lá, em especial pela ambientação, que o tempo todo nos lembra que estamos em Hyrule. Desta vez temos as raças principais da série todas juntas como não acontecia desde os jogos do Nintendo 64, e principalmente no caso das Gerudos, o nível de detalhes que foram dados ao comportamento e cultura fazem com que você queira ficar um bom tempo aprendendo sobre a linguagem e costumes de cada uma das raças. É verdade também que existem ali muitas ideias de jogos anteriores que as pessoas acabam esquecendo que um dia existiram na série e acham que é algo totalmente novo. Além do mais, o principal de Zelda nunca foram essas pequenas coisas, sempre foi um jogo sobre exploração, o que na verdade foi se perdendo um pouco ao longo dos últimos anos.
A abordagem que é dada a este novo episódio da lenda também é diferente do que estamos acostumados. A Hyrule de Breath of the Wild é um futuro muito distante dos outros jogos, uma visão quase pós-apocalíptica de acontecimentos passados, ainda que se trate do tradicional "Mate Ganon, salve a princesa". É um mundo onde existe tecnologia, embora não da forma como temos tecnologia no mundo real, pendendo mais para algo mágico, mas em que esse é um conhecimento antigo e quase esquecido. E boa parte da história desse jogo está em acontecimentos passados, com um Link amnésico refazendo os seus passos para recuperar suas memórias, sendo o presente feito muito mais pelas suas ações do que através de cutcenes. Talvez muitos tenham ficado descontentes com a história curta e simples, em particular no final, mas dentro da proposta dada, as coisas não poderiam ter sido diferentes.
Meu único ponto de reclamação é com relação a má exploração dos personagens, não pela dublagem de baixa qualidade, que apesar de inédito na série acabou impactando muito pouco, mas pela falta de informação mesmo. A maioria deles, em especial os principais, possuem uma personalidade interessante e parecem sempre carregar boas histórias, incluindo Link, que segue sendo um personagem mudo, mas na maior parte do tempo isso é explorado muito superficialmente. Não que cenas expositivas fossem favorecer o jogo, muito pelo contrário, mas mesmo textos que contém mais sobre aqueles personagens e até mesmo sobre a própria Hyrule, aparecem muito esporadicamente. Em alguns momentos eu achei textos antigos que faziam referências diretas a personagens de Ocarina of Time ou diários que contavam mais sobre o íntimo dos personagens, e isto acrescentava tanto ao jogo que achei uma pena ter tão pouco desses momentos.
Esse foco total na exploração também acabou deixando outra coisa de lado, que foram os famosos templos e batalhas contra os chefes, sempre um momento grandioso na série. Eles continuam existindo, porém não possuem nada de muito especial, salvo que desta vez eles realmente são rápidos e direto ao ponto. Todos possuem uma mecânica básica muito semelhante, assim como a ambientação, e os chefes se resumem basicamente a você conseguir acertá-los o suficiente para que a sua barra de energia esgote. Salvo um deles que me deu um pouco mais de trabalho e me obrigou a pensar mais em como derrotá-lo, todos eu venci utilizando apenas o meu arco atirando flechas explosivas. Mesmo a batalha final contra Calamity Ganon não é muito inspirada, ainda que o caminho até ele através do Castelo de Hyrule, mais uma vez tomado por monstros, tenha sido uma das melhores áreas pela qual passei. Como eu normalmente resumo essa parte, o caminho até os chefes é o que realmente importa. Sempre o caminho.
Por outro lado, as batalhas que muitas vezes encontramos por Hyrule acabam por preencher essa lacuna deixada pelos templos principais. No geral não há nada de especial nelas, ainda que o sistema de combate seja mais robusto do que o dos jogos anteriores, incluindo mecânicas furtivas, mas não é incomum você estar andando por uma área aberta e do nada dar de cara com uma espécie de sub-chefe aleatório, ou encontrar um Lynel, que muitas vezes será mais difícil e emocionante de enfrentar do que qualquer chefe do jogo, ou até mesmo ter que lidar com um covil lotado de inimigos para conseguir algum tesouro. Os guardiões, que são um dos principais adversários da história, também geram momentos bem memoráveis, embora a batalha contra eles vá ficando progressivamente mais simples conforme você melhora o nível de seu equipamento. A mecânica de ter armas que quebram também favorece muito isso tudo, e ainda que ela pareça bem chata inicialmente, faz com que o sistema de combate como um todo sempre seja muito variado.
Também acaba não pesando tanto a inferioridade dos templos principais pelo fato de que o tempo todo você está resolvendo algum quebra cabeça, seja para encontrar um Korok, pequenas criaturas amplamente espalhadas pelo mapa e que servem para aumentar o seu espaço de inventário, resolver uma missão secundária ou achar um santuário perdido. Muitas coisas são apresentadas sob a forma de uma charada a ser resolvida, e é legal que as vezes a ideia mais maluca que você possa ter sobre algo é de fato a resolução daquilo, nunca sendo nada absurdamente complicado ou demorado, mas sempre recompensador e satisfatório. É como se na verdade todo o jogo fosse um templo gigantesco.
Claro que Breath of the Wild não é um jogo perfeito. Em especial quando falamos de interface, embora muitas coisas tenham melhorado em relação aos jogos anteriores, ainda existem diversas burocracias que só tornam as coisas desnecessariamente lentas. O desempenho técnico também deixa a desejar em alguns pontos, em especial quando falamos da taxa de quadros, ainda que tenha melhorado com as atualizações constantes que a Nintendo tem disponibilizado, e também senti muita falta de ter o mapa na tela do GamePad na versão do Wii U, uma vez que eu preferi jogar com a interface mais limpa, que aliás, é a melhor forma de se aproveitar o jogo. Porém ele é um título que cumpre tão bem a sua proposta principal, a de permitir que cada jogador crie os seus próprios caminhos e objetivos, que todos os problemas acabam por se tornar apenas pequenas reclamações em meio a várias coisas boas. A forma como ele quebra também diversas regras já estabelecidas para jogos de mundo aberto, dando possibilidades variadas de exploração do ambiente ao invés de simplesmente inflá-lo com coisas inúteis, pode acabar o tornando mais uma vez um Zelda que irá definir novos parâmetros para todo um gênero, o que saberemos com mais precisão no futuro. Em toda a série, eu digo com certeza que essa foi a minha melhor experiência com Zelda e um dos melhores jogos que já joguei nos últimos tempos.
Breath of the Wild possuí uma proposta principal o qual cumpre com maestria: a de permitir que cada jogador estabeleça os seus próprios objetivos e trace o seu caminho até eles, entregando ao jogador todos os elementos necessários para que isso seja algo prazeroso. Ainda que o jogo possua os seus defeitos e contratempos, tudo se torna pequeno e quase irrelevante diante da real sensação de liberdade que ele oferece. Avaliado noWii U (entenda o nosso sistema de notas)
Depois de eu ter aprontado das minhas em Hyrule, eu digo aqui que eu já vi um vídeo desse Breath of the Wild, alem de não ter restado quase nada de Hyrule, aqui pelo menos, a Zelda tá uma amarga anti-social, que não quer absolutamente nada do Link.
Será que aqui o Miyamoto usará de uma abordagem diferente? Tipo, pra não ficar o rame-rame do Mario, aquele "mais do mesmo"?
Contanto que o resultado final seja algo palatável, e que no finzinho do jogo fique uma coisa "ah, agora sim eu tô diante de um Legend of Zelda", belezga.
Mas uma dúvida persiste nos recônditos da minha mente: por que o Link só grita? Eu noto isso no Soul Calibur 2 de Gamecube.
¨...clássico poema "No meio do caminho" de Carlos Drummond de Andrade, o qual os versos mais conhecidos dão título a esta análise...¨ Sinceramente tive que pesquisar sobre esse poema Drumondista pelo o qual talvez em minha infanto adolescência teria lido ou não...não me lembro mesmo...também estudei em escola onde eles inventaram uma tal de semana de provão e lia-mos livros de literatura sobre pressão devido a várias consequencias: greve de professores, reposição de aula e essa tal semana de provão...tudo atrapalhava em termos de organização e gestão escolar, e... no final de tudo lia o livro e não lembrava nem o nome do Autor da Obra...mas lembro muito de Canção do exílio de Gonçalves Dias...essa sim marcou a minha vida...bons tempos!!!! Para falar a verdade nunca finalizei um Zelda da vida...tempo e falta de grana fica dificil zerar um jogo desses...mas aprecio a série e todas as suas sequências e remakes. Joguei muito a versão N64 e snes que considero um dos melhores jogo do sistema 16 bits!!!! Estou tentando jogar essa versão atual e assim poder comentar melhor sobre o jogo...vi e vejo vídeos e gostei muito...bela análise progressiva e parabéns pela a escrita...vc escreve bem...consequencia de ter uma boa leitura...valeu!!!!! Dukaralho mesmo!!!!
Não me leve a mal, ainda não li o texto, mas prometo que lerei e comentarei quando terminar o jogo... eu sou chato com qualquer coisa que possa parecer spoiler... kkkkk Tô pra começar ele, só falta terminar o Persona 3 (tô na reta final). Comentando antes pq ele vai sumir em alguns dias dos meus feeds, mesmo que eu deixe marcado...
Levo sim... você sabe que eu escrevo sem spoiler e por sua culpa eu fiquei neurado com isso, hwa hwa hwa. Inclusive teve trechos e imagens que eu tirei quando estava escrevendo por conta disso.
Eu falei que sou neurótico com spoilers (longe de ser o pior caso que conheço, mas sou), eu li uma porção de coisas que eu diria que era spoiler aí no texto! kkkkkkkkkkkkkkkkkkk Enfim, eu li agora e concordo com boa parte do que vc falou, sobre o importante ser a jornada, lembrar como vc chegou em determinadas partes, como meio que do nada eu descobri que haviam as Divine Beasts para serem derrotadas, etc. De fato os combates são bem, como posso dizer, básicos... meio sem graça em alguns momentos, vira e mexe eu passava correndo pelos inimigos pq não tinha interesse nenhum em enfrentá-los. E isso em um jogo de videogame pra mim é meio frustrante, mas o resto compensou tanto que eu nem liguei pra isso. No geral eu gostei muito da experiência, é um dos melhores jogos de mundo aberto que joguei, embora tenha vários pontos que me incomodaram. Dava muita raiva por exemplo quando chovia, cheguei a deixar o console parado enquanto cutucava o celular esperando a chuva passar. Meio desnecessário. Mas enfim, é o tipo de coisa que entra muito no gosto pessoal, não dá pra negar que o título é uma experiência incrível. Se manterem essa linha, o próximo vai ser ainda mais incrível. Com certeza. Acho que é isso! haha
Poxa Caduco, aí você quer que eu pare de escrever né?! Hwa hwa hwa
Eu não me importei muito com o combate simplificado por já ser comum da série, pelo menos desta vez tem o stealth, que antes nem tinha. Só me chateou mesmo os chefes meio bobos, que serem foram ponto alto da série. Agora, se você quer combate mesmo, eu digo que os desafios da espada que estão na última DLC lançada, são de matar qualquer um do coração.
Eu curti o lance da chuva, senão iria ser igual na maioria dos jogos, só um efeito cosmético. Faz parte da experiência você ter que se preocupar com o clima, fora que como sempre tem um modo diferente de fazer algo, é só questão de ser criativo. Mas entendo, tem horas que dá raiva mesmo, rzs.
Minhas maiores reclamações mesmo são em relação a coisas da interface, Zelda sempre teve muito falatório em pontos desnecessários, menus muitas vezes simplificados demais e etc. Fora que não me conformo da versão do Wii U ter perdido o mapa no GamePad.
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