Análise de Dandara: Trials of Fear - Um jogo brasileiro com grande potencial, mas que se perde em meio a mescla de estilos e picos exagerados de dificuldade.
Um jogo brasileiro com grande potencial, mas que se perde em meio a mescla de estilos e picos exagerados de dificuldade.
Dandara foi uma importante figura histórica brasileira do século XVII, que ao lado de seu esposo, Zumbi, lutou para manter o célebre Quilombo dos Palmares longe das forças colonialistas, em uma região que hoje pertence ao estado de Alagoas. Símbolos de liberdade e resistência contra a escravidão, um grande esforço por parte de escravagistas foi feito ao longo dos anos para que seus feitos fossem esquecidos ou distorcidos, o que tem efeitos bem visíveis nos dias atuais, mas a verdade é que tanto Dandara quanto Zumbi jamais foram esquecidos e, essa é uma das ideias que inspiram a premissa básica do jogo Dandara: Trials of Fear, título de exploração 2D estilo Metroid, desenvolvido pelo estúdio mineiro Long Hat House, lançado em 2018 e que recentemente recebeu uma grande atualização gratuita, expandindo o título consideravelmente.
Uma ambientação inspirada na arte e história brasileira
No jogo, Dandara, que é apenas inspirada em sua contraparte histórica, é uma figura que surge a partir do Berço da Criação, como resposta a um mundo estranho e desequilibrado, tomado pela opressão, em que as pessoas que não se submetem a um regime ditatorial são consideradas ameaças que devem ser eliminadas. Qualquer semelhança com a ditadura militar que ocorreu no Brasil entre 1964 e 1985 não é mera coincidência, com vários paralelos entre jogo e realidade, em especial a perseguição à classe artística com ideias contrárias ao regime e a manipulação midiática. É uma mistura não muito comum de se ver em jogos nacionais, onde os desenvolvedores mesclam aspectos de dois momentos diferentes da história do país, para contar sobre algo do qual nós ainda não nos livramos, visto os descalabros políticos que ainda nos assolam, compondo um interessante universo que foge do habitual. Até mesmo a forma como o símbolo que aparece quando o jogo está sendo salvo segue uma dessas referências ao ser demonstrado, avisando que as "suas ações não serão esquecidas", assim como as ações da própria Dandara em nosso mundo.
E não somente por utilizar ideias advindas de contextos históricos do país que o jogo constrói a sua identidade, mas também por mesclar elementos clássicos de jogos com referências tipicamente brasileiras passadas e cotidianas. Tanto pela excelente trilha sonora ambiente, como pela direção de arte composta por uma belíssima pixelart, é impossível não recordar imediatamente de Metroid, com seus cenários desoladores e, por vezes, até opressivamente tecnológicos, ao mesmo tempo em que nos deparamos com graffitis do Bolinho, personagem criado pela grafiteira mineira Maria Raquel Bolinho, bem conhecido das ruas de Belo Horizonte, indo até o Abaporu, de Tarsila do Amaral, importante obra do período antropofágico do movimento modernista brasileiro, onde a "deglutição" de culturas externas e internas dá origem a algo totalmente novo e próprio.
Mas infelizmente, enquanto o jogo apresenta toda essa ambientação extremamente rica e bem construída, ele peca em oferecer uma história consistente ao jogador, mesmo com as recentes atualizações e adições narrativas pela qual o título passou. A maior parte dos diálogos são vagos e no máximo passam conceitos do que os desenvolvedores gostariam de dizer, ainda que bem simples e fáceis de entender, mas que em conjunto não formam uma história com a qual o jogador consiga se conectar. Embora para nós, brasileiros, muito do que seja mostrado ali faça sentido por se ligar diretamente com parte de nossa história recente, em especial o período da ditadura militar, para algum jogador de outro país ou até mesmo alguém mais novo daqui mesmo, que pouco ainda teve acesso a esse conhecimento, ainda mais em tempos de pós-verdade, essas ideias podem ser ainda mais desconexas e vagas. Não há problema em jogos possuírem histórias subjetivas, mas o título não fornece elementos narrativos suficientes para que o jogador consiga construir uma linha de raciocínio sólida sobre opressão e liberdade.
Saber para onde ir é uma questão de perspectiva
Talvez um dos pontos que mais chama a atenção em Dandara, além de sua já citada ambientação, é a sua jogabilidade, com uma mecânica de movimentação bem diferente do habitual. Aqui, ao invés de andar livremente pelo cenário, a personagem só pode saltar entre paredes específicas, fazendo com que o simples ato de atravessar uma sala ou recuperar um item em um baú tenha que ser pensado estrategicamente, como se fosse um quebra-cabeça. E nesse aspecto o jogo funciona muito bem, trazendo mais um ponto de originalidade a obra, ainda mais com os refinamentos quem foram introduzidos ao longo das atualizações. Também é interessante pensar que mesmo que tenha sido uma mecânica originalmente pensada para telas de toque, jogar no controle de um console também funciona muito bem e em vários momentos, fornece uma agilidade superior a conseguida em um celular.
Porém, mais uma vez o jogo dá os seus tropeços. Embora a movimentação funcione muito bem como uma camada extra na exploração dos cenários, a progressão do jogo não funciona tão organicamente quanto em um Metroid. Ainda que ele siga a mesma lógica de sua inspiração, com áreas que só são acessíveis após a obtenção de determinado item, esse acesso não é tão bem distribuído e, houve momentos em que eu parecia só estar vagando a esmo pelos cenários coletando itens, para depois de uma única vez utilizá-los para acessar as novas áreas. Inclusive um deles eu busquei no final do jogo por puro colecionismo, uma vez que nem parecia necessário.
Não ajuda em nada também o mapa bem precário, que não indica itens ou onde você está localizado nas salas, que inclusive rotacionam conforme a sua movimentação, necessitando que você sempre lembre de apertar um botão toda vez que for consultá-lo, de modo a corrigir a orientação.
Outro ponto que eu achei que mais atrapalhou do que ajudou foi a inclusão de um "mundo sombrio", uma versão paralela do mapa por onde Dandara eventualmente transita. Além de claramente ser algo adicionado posteriormente ao jogo, ele pouco acrescenta a experiência do jogador e apenas alonga artificialmente a aventura.
Os percalços desnecessários de Dandara
Enquanto muitos dos outros problemas que citei anteriormente tenham parecido mais com tropeços de game design do que com problemas em si, o ponto que mais atrapalha Dandara é a sua dificuldade, vinda de uma outra inspiração que o jogo implementa, Dark Souls, trazendo alguns picos bem absurdos.
Aqui ao invés de coletar almas nós recuperamos "O Sal", uma espécie de matéria viva que permeia todo aquele mundo e conecta todas as coisas. Esses sais servem para que Dandara aumente sua energia vital, melhore os disparos de energia que ela solta de suas mãos para atacar os inimigos, assim como torne mais eficientes os itens de cura, porém são perdidos caso você morra, só podendo ser recuperados na tentativa seguinte. Para utilizá-los é necessário chegar aos escassos acampamentos, que também funcionam como pontos de recarga e dos poucos checkpoints do jogo.
O problema é que tudo isso acaba servindo mais como um obstáculo para o processo de exploração, que se torna constantemente truncado por conta disso. Existem áreas com sequências e mais sequências de inimigos, onde mesmo decorar o que vai acontecer pode não ser o suficiente, soando quase como um sadismo e punição ao jogador. As habilidades de ataque são limitadas pelo alto consumo da barra de energia de disparos, os itens de cura tem uma animação bem lenta, deixando Dandara muito vulnerável no processo de utilização, além do tempo de invulnerabilidade entre um dano e outro que é bem curto. E tudo isso não seria um problema se a movimentação por saltos, embora eficiente para exploração, não se tornasse tão caótica em cenários tomados por inimigos, exigindo um grau de reflexo e atenção absurdos, que mesmo ao final do jogo dificilmente são alcançados, mesmo para jogadores experientes.
Não existe problema em um jogo ser pautado por uma dificuldade muito acima do que estamos acostumados, mas a partir do momento em que ele não nos dá as ferramentas necessárias para que o jogador consiga lidar com essas dificuldades, ele se torna apenas frustrante e, infelizmente, esse é um sentimento que pautou uma parte considerável do meu tempo jogando Dandara, ao ponto que eu só consegui apreciá-lo um pouco mais ao ligar uma das opções extras que os desenvolvedores inseriram, sugestivamente chamadas de cheats, que me permitia ressurgir no inicio da sala em que morri, não me fazendo traçar repetidamente longos trajetos cheio de inimigos entre o último acampamento e o ponto da última morte, até eu aprender o que fazer para seguir em frente.
Por outro lado, surpreendentemente as batalhas contras os chefes são um dos pontos altos do jogo. Além de serem um dos poucos momentos em que há um maior contato com a história, elas contém uma dificuldade muito bem ajustada, até por se focarem em uma única figura, além de serem embaladas pelas melhores músicas compostas para o jogo.
Infelizmente isso não é verdade para um dos extras da última atualização, em que é possível ver um final expandido ao enfrentar um chefe extra. Colocada como uma espécie batalha final verdadeira, o título não somente introduz de maneira estranha elementos em 3D, ao invés de explorar mais de sua pixelart que funciona tão bem ao longo do jogo, como eleva a dificuldade muito acima do restante da jornada, que já possuía picos bem absurdos, ao ponto me que eu só consegui passar ligando o outro cheat, o de energia infinita para os disparos de energia de Dandara, ainda assim com muita dificuldade. Não digo que não é possível passar desse trecho sem se utilizar de tais cheats, ou mesmo que eu não conseguisse com algum treino e paciência, mas é só que eu não me senti nem um pouco impelido a isso, já que nada estava me sendo acrescentado ali além de frustração pela lógica de tentativa e erro.
Suas ações não serão esquecidas
Apesar de tudo, Dandara ainda segue um jogo com enorme potencial, tendo em seu universo, música e direção de arte seus pontos mais fortes, mas que peca ao tentar unir diversos estilos em suas mecânicas, que mesmo interessantes, não são suficientemente sólidas para tal feito, além de possuir uma narrativa rasa que pouco evoluí em relação ao que é apresentado em sua introdução. Mas eu sinceramente gostaria muito que o estúdio continuasse seguindo parte dessas ideias em jogos futuros, seja em um eventual Dandara 2 ou outro título, pois por mais que tenham havido diversos percalços, algumas das coisas ali criadas são boas demais para serem esquecidas.
Dandara é um jogo com enorme potencial: possuí direção de arte e trilha sonora excelentes, um universo original com várias referências brasileiras que raramente são exploradas em jogos e uma mecânica de movimentação única que diferencia o jogo de outros títulos que seguem se inspirando em Metroid. No entanto, a história rasa, progressão pouco orgânica e por vezes confusa, aliada a uma dificuldade exagerada que em nada colabora com o jogo, tornam a experiência frustrante e truncada em diversos momentos, desperdiçando uma parte considerável desse potencial. Avaliado noXbox One (entenda o nosso sistema de notas)
Acho que o maior problema de Dandara mesmo ficou na escolha da jogabilidade. Esse ponto sozinho acabou influenciando diretamente no alto nível de dificuldade do jogo - que pra mim não seria um problema se você não tivesse que ter 4 mãos pra poder passar tranquilamente de algumas seções do jogo. Não dá pra dizer que o jogo é uma perda de tempo por causa disso, mas com certeza tira ele daquela posição aonde colocamos os jogos que são perfeitos do início ao fim.
Considerando as partes de ação que o jogo propõe eu concordo com você, a jogabilidade não favorece em nada, mas é como eu disse, eu gosto dela na parte de exploração, já que dá um elemento estratégico e de quebra-cabeça no ato de andar pelos cenários.
Gostei da análise, Tchula! Ainda não joguei pra dar qualquer tipo de opinião, mas posso afirmar que eu não tava muito interessado na história do jogo não, mas no desafio mesmo. Acho que vc já imaginava isso! haha Apesar que eu falei a mesma coisa de Celeste e tive uma grata surpresa com o que o jogo quis contar. Ainda assim, entendi perfeitamente o que quis dizer com a história não se aprofundar o bastante para contextualizar quem é de fora. Talvez eles tenham mirado o público nacional mesmo, o que eu particularmente acho ruim. Deveriam explorar mais o potencial do jogo neste quesito, ainda mais na fase que a gente tá vivendo política não só brasileira como mundial. E olha que de política eu não entendo porcaria nenhuma! kkkkk Enfim, lance "Souls" me brochou um pouco, preferia algo mais "puro", sem necessidade de upgrades, balanceado pela habilidade do jogador e não nível do personagem. Isso me deu uma leve desanimada, mas ainda vou jogar. Valeu pelo texto, já me deu uma boa perspectiva!
Pois é, eu não busco exatamente uma grande história em jogos desse gênero, mas como ele se propôs a isso, ficou esse ponto fraco. E não sei se é uma questão de foco no Brasil, o jogo foi publicado por uma empresa gringa, teve localização para vários idiomas e tanto que a história foi um dos pontos que mais recebeu atenção nessa última atualização.
Bom, considerando que nós dois já devemos estar no nono presidente e que no meio desse caos é bem difícil entender alguma coisa, dizer que não entende porcaria nenhuma de política já te coloca em um patamar bem acima de muita gente, rzs.
Esse lance do Souls eu não sei dizer muito, já que nunca joguei nada da série, mas é como eu disse, aqui não funciona muito bem, também me deu uma desanimada quando peguei para jogar.
Enfim, depois quando você jogar me conta como foi, valeu Caduco!
A História Brasileira é cheia de riqueza e conhecimento...seria uma grande influência para muitos e determinados jogos no estilo!!!! Sem contar o Folclore brasileiro cheio de lendas e personagens de que um certo modo assusta determinadas pessoas!!!! Se fosse criar um jogo atual...seria mais ou menos baseado no cenário político atual e a pandemia no qual presencia-mos!!!! Seria mais ou menos uma espécie de Resident Evil do modo real...onde políticos corruptos deixaram de salvar a população e não quiseram investir em uma vacina!!!! Assim o caos nascia, pessoas se rebelavam e teria um caos total em termos de violência, destruição e a esperança de que alguém apareceria com o intuito de exterminar o vírus e os políticos corruptos que seriam os zumbis no jogo!!!! Seria um game e tanto, baseado no Caos em que vivemos!!!! valeu!!!!
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