Análise de Chrono Cross - As dificuldades de crescer e entender que as coisas mudam, mas nem sempre como desejamos. (Ou o porquê de Chrono Cross não ser a continuação que queríamos, mas a melhor que poderíamos ter).
As dificuldades de crescer e entender que as coisas mudam, mas nem sempre como desejamos. (Ou o porquê de Chrono Cross não ser a continuação que queríamos, mas a melhor que poderíamos ter).
A adolescência pode ser um período muito complicado na vida de uma pessoa. É quando todas as fantasias de criança começam a ser duramente confrontadas pela vida e surgem grande parte dos questionamentos existenciais que irão acompanhar a pessoa pelo resto de seus dias. Ao mesmo tempo, um mundo de possibilidades se abre diante dos olhos e surge uma vontade, quase necessidade, de experimentar o maior número de coisas possíveis. Ao contrário do que muitos pensam, amadurecer não é deixar estas coisas de lado, mas aprender a lidar com elas. E pode parecer que eu já comecei com uma grande digressão, mas tudo isso diz muito a respeito sobre o que é Chrono Cross.
A nostalgia da infância que não volta mais
Na verdade, a primeira leitura que é possível fazer sobre a adolescência em Chrono Cross nem é tão escondida assim. O jogo tem como foco o personagem Serge, um jovem que cresceu em uma vila de pescadores pertencente a um grande arquipélago, que sem querer vai parar em uma dimensão paralela onde a sua contraparte está morta, causando uma grande confusão. No processo ele se une a outra jovem, a impetuosa Kid, uma garota que tem como antagonista um felino antropomorfizado de nome Lynx, que por algum motivo também possuí uma conexão com Serge. Ao longo da trama ele passa por diversas situações que fazem com que ele se questione sobre a própria existência, qual o seu papel no mundo e o que define o "eu" de uma pessoa. Obviamente tudo isso vem sob uma embalagem de muita fantasia, drama, batalhas e aventuras, mas que no fundo irão dialogar com todos esses questionamentos.
E claro que hoje eu, como adulto, ao ver tudo isso, não pude deixar de notar as várias camadas de exagero e inocência nos questionamentos apresentados, coisas que em termos de trama muitas vezes soam até desnecessárias, mas que de alguma forma não deixaram de se conectar com um "eu" do passado, que de maneira menos lúdica passou pelos mesmos questionamentos, assim como com certeza muitos que tiveram Chrono Trigger como um jogo de infância, ou ao menos do final dela, ao jogá-lo em sua época de lançamento conseguiram se identificar em vários aspectos com o protagonista.
Isso também ajuda a explicar o motivo de que apesar de realmente ser uma continuação direta de Chrono Trigger, muitos ainda insistam em querer uma continuação direta de... Chrono Trigger. O título do Super Nintendo foi uma aventura gostosa infantojuvenil, costurada de maneira magistral por uma equipe de grandes nomes do JRPG da época. Chrono Cross por outro lado já é o fruto de uma outra época, em que os desenvolvedores exploravam as capacidades de novos hardwares e do gênero, o que não deixa de ter uma ligação com o crescimento do próprio público. É possível dizer que os JRPGs passavam pela sua própria adolescência, com todos as suas experimentações, acertos e tropeços. Não é por menos que jogos dessa época, por melhor que sejam, costumam muitas vezes serem os mais difíceis de revisitar, sejam pelos gráficos datados ou mecânicas estranhas. Então é esperado que as pessoas queiram um novo pedaço de uma infância nostálgica do que o de uma adolescência conturbada, mas Chrono Cross foi o que foi, fruto do seu meio e de sua época, e é por isso que ele a melhor continuação que poderíamos ter.
Lembranças da juventude
Jogar Chrono Cross pela primeira vez em 2019 não foi somente jogar a continuação de um jogo querido que eu revisitei anteriormente, mas também um passeio pelo que eram os JRPGs na década de 1990, em particular no PlayStation 1. Não por menos a criadora do jogo, a Square Enix, na época ainda Squaresoft, foi um dos estúdios mais proeminentes do período e do gênero.
Eu fiquei tão empolgado ao finalizar Chrono Trigger, que não demorou muito para eu ir atrás de uma cópia de Chrono Cross, o que surpreendentemente foi mais simples e barato do que eu imaginava. Eu não tive um PlayStation 1 em sua época de lançamento e também nunca havia jogado o título, de modo que não foi uma experiência bem de nostalgia e sim de novidade. Ok, tecnicamente eu o joguei no PlayStation 2, que roda ele com uma qualidade de imagem um pouco melhor e áudio incrivelmente superior, mas tudo bem, em 1999 também não existiam televisões de LED.
Todas as experimentações daquela época se fizeram presentes rapidamente para mim, embora não muito da maneira que eu esperava. A dinâmica simples e eficiente do jogo anterior deu lugar a um jogo lento, de muitos e muitos diálogos de linguagem desnecessariamente rebuscada, que ansiavam por serem levados a sério, embora muitas vezes apenas arranhassem a superfície. Não é algo ruim, mas faz você entender a dificuldade que é gostar de Chrono Cross, é preciso refazer internamente essa conexão com uma parte de você de outra época e que já não é mais a mesma, mesmo que seja só por algumas horas.
A narrativa, como eu descrevi parágrafos acima, pode parecer bem simples, mas ela se complica e emaranha-se em si mesma de tal forma, que o jogo não sente vergonha em te explicar várias vezes o que está acontecendo em meio a tantas reviravoltas. E ela consegue amarrar-se razoavelmente bem no final de tudo, com alguns momentos genuinamente tocantes, mas de uma forma que é impossível de não deixar qualquer jogador atordoado pelo excesso de informação. O engraçado é que grande parte da trama se baseia nas inconsistências das viagens temporais de Chrono Trigger, que funcionava bem justamente por não se levar tão a sério e tentar amarrar todos os pontos de maneira tão minuciosa. De Goonies fomos para, sei lá, Donnie Darko.
Mas nem tudo se foi por completo, aquele mundo de aventura e fantasia ainda encontra-se presente, com suas criaturas mágicas, dragões, lutadores, guerreiros e aventureiros de todos os tipos, de modo que o jogo lhe entrega muitos, mas muitos mesmo, personagens que podem compor a sua equipe. Embora seja necessário concluir o jogo várias vezes para conseguir recrutar todos, pois muitas vezes optar por um significa abdicar de outro, e consequentemente todo um arco de história, o que é bem interessante na verdade, o problema é que com tantos personagens e tramas, você nunca tem tempo de se afeiçoar por todos eles. Em termos mecânicos cada um é apenas mais um "boneco" colecionável para a sua equipe, e em termos de história, apenas mais uma missão secundária para cumprir. Claro que alguns vão ter mais destaque do que outros, como os "mocinhos" Serge e Kid, e o vilão Lynx, acompanhado da fiel Harle, mas chega a ser um desperdício tantos personagens abordados de maneira rasa. Não duvido que tenha sido uma ideia que se tornou grande demais para a tecnologia da época.
Outra coisa que também deixa o ritmo do jogo mais lento é a exigência de que você procure coisas e pessoas pelos cenários de formas quase aleatórias, de modo que por muitas vezes eu simplesmente achei mais fácil procurar o que fazer em um detonado do que conversar com cada NPC ali presente e tentar pescar a dica necessária escondida nos extensos diálogos em texto. Quando as coisas fluem elas fluem bem, mas esse processo até os pontos principais por vezes me foi muito cansativo.
Agora, talvez a mudança que mais tenha me agradado, ainda que de maneira torta, foi a do sistema de batalha. Eu não vou entrar em pormenores, mas Chrono Cross tem um sistema de batalha por turnos que realmente pensou em como fazer a mecânica clássica de uma maneira diferente. Demora um tempo para se adaptar, mas eventualmente você logo saberá como equipar itens e magias da forma mais adequada para cada personagem e como escolher os ataques da maneira mais eficiente, tornando o processo muito mais interessante a cada luta. O único tropeço se deu na retirada da experiência, ou melhor, na ocultação dela. Na tentativa de criar algo mais orgânico, os personagens vão ganhando melhorias diretamente nos atributos conforme batalham, mas eventualmente este ganho cessa e só volta a acontecer após alguma batalha importante. Embora isso padronize o nível dos personagens em cada etapa do jogo e praticamente elimine o grinding, por outro lado cria o problema de que em determinados momentos batalhar com personagens menores se torna inútil, o que não seria um problema em um jogo em que você vê os inimigos, se eles não fossem tão irritantemente colocados em seu caminho.
Ainda sim, um clássico
Apesar das reservas que eu tenha quanto ao jogo, entender o que foi Chrono Cross em sua época me ajudou a apreciá-lo e dar o seu devido valor. Talvez o seu grande fardo seja a ligação com Chrono Trigger, um título mais simples e superior, mas a ambição colocada ali trouxe muitas coisas interessantes impossíveis de serem ignoradas. Ele é excessivamente dramático, complicado e por vezes megalomaníaco, mas também é criativo, original e divertido. E embora seja uma quebra em relação ao seu predecessor, eu também acho interessante essa direção mais melancólica e introspectiva que ele toma.
Embora graficamente ele seja bem datado, longe do charme de Chrono Trigger (nossa, olha eu aqui caindo no pecado do excesso de comparação também), foi um título que em sua época causou grande impacto nesse aspecto, ainda mais com as cenas em CGs que permeavam os jogos da Square, que aqui felizmente são distribuídas de maneira bem pontual. Por outro lado, a trilha sonora continua maravilhosa e atemporal, ainda que eu não tenha sido impactado por tantos temas desta vez, mas músicas como Scars of Time e Radical Dreamers estão facilmente na minha lista de melhores temas de todos os tempos em videogames, traduzindo muito bem os sentimentos predominantes ao iniciar e terminar o jogo, respectivamente.
O que foi feito em Chrono Cross é algo que dificilmente vemos nos tempos atuais, de pegar um jogo de sucesso e experimentar algo completamente diferente em sua sequencia. Sim, é verdade que isso só foi possível pelo contexto da indústria na época em que ele foi criado e que talvez mesmo assim os desenvolvedores tenham enfrentado diversas restrições, originando provavelmente uma parte considerável dos problemas que o jogo tem, mas é tudo isso que o torna único e interessante. É uma forma de ver que crescer nem sempre é continuar como éramos antes, muito menos de sermos perfeitos, mas ser um ponto importante na criação de algo melhor.
Chrono Cross acaba sendo, em boa parte de maneira não intencional, uma alegoria da adolescência. Ele abandona as fantasias de criança adotadas em Chrono Trigger e parte para uma temática mais existencial, ainda que de maneira muitas vezes confusa e inocente. Também é possível fazer um paralelo com a época de lançamento do jogo, em que os JRPGs ainda experimentavam muito, mas nem sempre acertando, o que é muito perceptível nas mecânicas do jogo. Ainda sim, com tantas experimentações narrativas e mecânicas não tão bem sucedidas, o jogo consegue ter a sua personalidade e destaque entre os grandes títulos do PlayStation 1. Avaliado noPlayStation (entenda o nosso sistema de notas)
Eu que nunca joguei Chrono Cross o suficiente no passado, assim como seu antecessor, mas fiquei morrendo de vontade de jogar de ler teu artigo. Principalmente pelo fato de que nunca terminei Chrono Trigger, assim como diversos outros jogos que estão empoeirados na minha lista de pendencias.
Olha, preciso dizer que esse artigo foi uma leitura muito prazerosa, valendo cada segundo do meu tempo - Que anda bem escasso principalmente para ler no PC.
Gostaria muito de ter mais coisas a dizer sobre o jogo, porém, sem ter jogado ou mesmo seu antecessor fica dificil. De qualquer modo gostei muito da maneira como abordou sem se deixar levar pela nostalgia. Enquanto lia esse texto fui lembrando de outro escrito seu, o "Seja Nostálgico, Mas não seja Burro". Outro excelente artigo.
Chrono Trigger eu recomendo muito você jogar completo e fazer ao menos um dos finais, é um jogo bem simples e direto ao ponto, nem vai tomar tanto do seu tempo, que eu sei, tá foda mesmo para tudo. Não sei se você chegou a ler, mas eu escrevi sobre ele também um tempo atrás. O Chrono Cross eu não vou me repetir, mas apesar da experiência diferente vale a pena também, rzs.
Nossa, eu até reli esse texto da nostalgia agora, eu nem lembrava direito, vocês desenterram cada coisa, rzs. Mas eu sigo com aquela filosofia ali mesmo, talvez até mais simplificada, é só que existe tanto jogo para jogar e tão pouco tempo, que é simplesmente desperdício de tempo ficar preso a essas ladainhas nostálgicas.
Vontade de ser criança novamente...lendo esse texto, me trouxe algumas boas lembranças de quando jogava Chrono Trigger e PS1, bons tempos de antigamente!!!! Valeu galera gamer!!!!
Parabéns ao redator desse artigo. O primeiro ao nível de qualidade do game. Você consegui expressar em palavras a emoção e importância desse título. Fiquei emocionado ao ler 💚
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