Por mais que as brigas entre os jogadores para saber qual plataforma é a melhor ainda prevaleçam, felizmente videogames se expandiram muito enquanto produto cultural, não só exportando conceitos como também absorvendo cada vez mais coisas de outras áreas, deixando de ser meramente um produto de entretenimento, ainda que isso seja o foco. E como todo produto cultural em expansão, é natural que videogames também esbarrem em questões sociais.
Quem acompanha um pouco mais de perto o mercado deve saber do que eu estou falando: nunca se ouviu tantos questionamentos sobre a indústria e seus comportamentos como nos últimos tempos, em especial a melhor representação da sexualidade de um modo geral e os preconceitos que permeiam o mercado, principalmente no que tange o machismo. Isso não veio por acaso, são assuntos que constantemente estão em pauta fora dos jogos também.
Por uma série de fatores, desde questões culturais dos países de origem das empresas, até o ambiente de desenvolvimento de jogos ter se originado predominantemente por homens, isto gerou uma série de problemas nos jogos ao longo dos anos. Talvez neste momento você possa estar fazendo uma careta ao ler isto, mas tenha em mente que boa parte dos clássicos que gostamos, mesmo que sem querer, muitas vezes propagavam ideias que hoje nós começamos a ver como nocivas a sociedade.
E não importa se você é contra ou a favor de todas estas questões, qualquer pessoa tem o direito de defender as suas ideias por mais estapafúrdias que sejam, mas nós definitivamente precisamos aprender a conversar. Eu até gostaria de dizer que tudo não passa de uma questão de falta de maturidade dos jogadores por conta da idade, mas nós sabemos que boa parte desse mercado é composto de jogadores já mais velhos, que em teoria, no mínimo deveriam saber levar uma discussão sem partir para uma agressão verbal contra outras pessoas. Caramba, dois anos atrás a Angela já havia escrito sobre isto.
É perfeitamente normal nós sentirmos um grande desconforto, ou até mesmo raiva, quando alguém faz um questionamento sobre um jogo que muitas vezes fez parte de nossa infância e do qual temos um grande carinho, mas é preciso entender que assim como crescemos e passamos a entender melhor o mundo a nossa volta, é preciso também entender as coisas que consumimos. E lembrando algo que li um tempo atrás, se não me falha a memória inclusive dito pela tão odiada feminista Anita Sarkeesian, reconhecer os problemas de um jogo não necessariamente faz com que você tenha que deixar de gostar dele como um todo, é simplesmente ter um pensamento crítico a respeito das partes. Como eu escrevi recentemente, seja nostálgico, mas não seja burro.
Esse que eu acho que é o grande problema nosso enquanto comunidade de jogadores, nos falta esse pensamento autocrítico de algo que gostamos tanto, além do problema de que ainda não nos desvencilhamos enquanto sociedade de grande parte dos preconceitos, que nos parecem tão naturais por termos crescido com eles. E não são realmente coisas muito fáceis de conseguir, como uma amiga minha diz, é um exercício diário, tem que saber olhar para as coisas, inclusive o que nós mesmos já dissemos, e reconhecer que "é, eu falei merda".
O que não pode acontecer é justamente o pensamento de "não fale mal do meu jogo", só porque a pessoa não quer macular a imagem de perfeição que ela tem a respeito de determinado título. Recentemente tivemos muitos casos que ilustram muito bem essa situação.
Em Metal Gear Solid V, desde o anúncio da personagem Quiet e sua vestimenta, ou melhor, falta dela, houve toda uma discussão a respeito da sexualização exagerada da personagem. No final das contas todos resolveram dar o benefício da dúvida para o Kojima, e o que recebemos em troca foi uma desculpa esfarrapada para a falta de roupa da moça, assim como uma personagem que fica o tempo todo fazendo poses provocantes só porque sim.
Por esses dias, alguns jogadores notaram algumas modificações nas animações do especial de Rainbow Mika no vindouro Street Figher V. O já "vergonha alheia" especial em questão, onde a personagem junto com outra lutadora dá uma bundada na cara do adversário, teve a sua introdução alterada, deixando de focar um tapinha na bunda antes da execução do golpe.
A sempre polêmica no que tange censura de jogos em suas versões ocidentais, Nintendo, também entrou no radar dos jogadores nos últimos tempos: algumas roupas alternativas (e sensuais) de Fatal Frame: Maiden of Black Water foram removidas das versões ocidentais, assim como alguns trechos do jogo que também foram modificados por conta da vestimenta. Semelhante ocorreu em Xenoblade Chronicles X, onde foi anunciado que a customização de personagem pelos lados de cá não permitirá o ajuste do tamanho dos seios das personagens mulheres, assim como um ajuste nas vestimentas de uma personagem adolescente.
E o que estes três casos tem em comum, além de tratar de como mulheres são representadas nos jogos? Pois eu digo: a reação dos jogadores.
Veja bem, eu não estou propondo em momento algum que você deixe de gostar de ver mulheres semi-nuas em jogos, fazendo poses provocantes, utilizando roupas fetichistas ou qualquer coisa do tipo. Aliás, até acho bem válida a discussão de até que ponto esses jogos serem modificados ou não pode ser considerado censura, já que independente de concordarmos ou não, essa foi a visão que a equipe de desenvolvimento quis para o seu jogo. Mas nós temos que aprender a discutir estas coisas, e não foi muito bem o que aconteceu nos três casos.
Boa parte da reação dos jogadores em torno dos temas foi de revolta. Os discursos de "o politicamente correto é um saco", "deixem o meu jogo em paz" e "não gostou, não compre" imperaram. Aliás, eu estou dizendo essas coisas de uma maneira bem comportadinha, diga-se de passagem.
Semelhante ao que aconteceu na cisão de "casual gamers" e "hardcore gamers", mais uma vez vemos uma parcela de jogadores se sentindo ameaçados, não querendo deixar a sua zona de conforto. Em especial o discurso de que "não gostou, não compre" é bem nocivo, porque por mais que nós tenhamos que compreender que é inevitável que certos jogos não nos agradem parcial ou totalmente, isto não significa que tenhamos que aceitar qualquer coisa que os desenvolvedores nos entreguem sem questionar, ainda mais quando não se trata de um jogo feito para um nicho. Saber discutir sobre todas estas questões é que vai fazer com que sejamos vistos realmente como uma comunidade adulta e que deve ser levada a sério, assim como vai ajudar a extinguir os diversos comportamentos nocivos que acabam afastando os mais variados tipos de jogadores.
É preciso que saiamos da defensiva e adotemos essa postura autocrítica, para que não somente possamos evoluir em hardware, gráficos e afins, mas também passemos para a próxima geração de jogadores.
* Revisado em 20/04/2016 às 03:02:54
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