Eu sinceramente não me lembro muito bem se cheguei a escrever algo aqui no site sobre isso, apenas que abordei de leve o assunto na butecada de número 12, mas esses dias lendo o texto do Ulisses 8-bit sobre nostalgia, que tem uma visão muito parecida com a minha inclusive, me deu vontade também de escrever sobre.
Eu acredito que revisitar o passado através de nossas memórias é um exercício inerente do ser humano e de muita importância. É com isso que revemos conceitos e analisamos o que erramos ou acertamos, o que nos dá uma melhor visão do presente e futuro: o que chamamos de experiência de vida. Mas também relembramos o passado de forma a experimentar de certa forma momentos passados, algo bom da infância, viagens com os amigos, etc, o que também é importante, pois nos ajuda a reforçar certos laços e sentimentos. E toda essa situação acontece com mais frequência conforme vamos ficando mais velhos, afinal, quanto mais distante do momento você está, mais forte bate a nostalgia, o que explica também porque nossa infância seja alvo tão constante desse sentimento.
Agora imagine isso nesse mundo de jogos eletrônicos. Boa parte das pessoas que viveram os primórdios desse meio em sua infância, com certeza já passaram dos trinta ou até mesmo bem mais que isso, e mesmo o pessoal que pegou um tempo depois, algo entre a geração 8 e 16 bits, já está no mínimo bem perto dessa faixa, que talvez seja uma das mais relembradas com carinho pelos jogadores mais velhos. Mas só para vocês verem como nem isso é imutável, já existe um movimento razoável de pessoas que se sentem nostálgicas com relação a geração 32/64 bits, com jogos de PlayStation, Sega Saturn e Nintendo 64. Eu mesmo lembro com muito carinho das tardes de jogatina na casa de amigos, onde algum Tony Hawk’s Pro Skater imperava antes de iniciarmos as sessões de Lobisomem: O Apocalipse.
Só que há um problema nisso tudo: nossa memória é traiçoeira... e muito. Tirando pessoas que infelizmente tiveram algum grande trauma na infância, normalmente nós esquecemos praticamente todos os pequenos momentos ruins que tivemos, frustrações de criança, castigos e tudo mais que na época era o fim do mundo e hoje são motivos de risada. Você talvez se lembre daquela vez que virou a noite jogando para poder zerar um jogo e se sentiu vitorioso ao terminar, mas é bem provável que não lembre muito bem do esporro que levou da sua mãe no dia seguinte, ou até mesmo de como foi mal na prova por não ter dormido bem. Claro, não foi nada grave, afinal você está aqui hoje, e mesmo que lembre disso, não é algo que lhe cause nenhuma grande frustração. Isso se você não confundir tudo e lembrar das coisas de formas bem melhores do que elas realmente aconteceram.
E é aí que chegamos na nostalgia relacionada a jogos, mas que pode ser aplicada a uma série de outras coisas também. Quem nunca ouviu frases como "bom mesmo eram os jogos antigos" ou "hoje é tudo fácil, quero ver é zerar [insira aqui o nome de um jogo antigo]"? Nesse momento a pessoa não somente está sendo nostálgica, como também está ignorando completamente os inúmeros bons jogos que temos atualmente. É claro que aquele jogo como game design todo quebrado parece a coisa mais incrível do mundo quando você lembra de ter ganhado ele como presente de Natal, naquele ano que rolou uma festa bacana em família. Também é compreensível esse tipo de reclamação, afinal, quantos jogos modernos realmente não são entregues de qualquer jeito, com uma experiência rasa, cheio de bugs, feitos de qualquer maneira, bem diferente dos jogos antigos, certo?
Nem tanto.
Uma coisa que eu sempre questiono é o parâmetro de que um jogo difícil seja necessariamente melhor que um jogo mais fácil, ou mesmo que seja um bom jogo por isso. Na grande maioria das vezes, eu vejo esse argumento sendo utilizado mais como uma medição de e-pênis do que de qualidade. E outra, as pessoas ignoram completamente o contexto da época para entender porque jogos antigamente eram mais difíceis. Por muitos anos, a grande influência dos jogos de consoles eram os fliperamas, por muito tempo considerado supra sumo da tecnologia de jogos. Máquinas de fliperama tinham que dar dinheiro para os donos, então se um jogo fosse muito fácil, a pessoa iria gastar apenas um crédito, zerar o jogo e nunca mais voltar... péssimo para os negócios. Então o jogo ser difícil, ter limite de continues e afins, era uma forma de prender o jogador por muito mais tempo e fazê-lo gastar mais dinheiro, dando tempo o suficiente para que outro jogo fosse lançado e assim começar todo o ciclo novamente. E nos consoles, apesar de uma vez que o jogo fosse comprado nenhum lucro adicional fosse gerado, afinal não existiam ainda as infames DLCs e o ritmo de lançamentos era bem diferente, era necessária essa experiência alongada artificialmente, para que a pessoa não zerasse o jogo de forma tão rápida de modo que ele seria rapidamente esquecido e nenhum vínculo com a série fosse criado.
Agora imagine com os jogos atuais a mesma lógica sendo aplicada. Modos inovadores de se jogar, mapas imensos, histórias densas... mas que você vai demorar uma eternidade para terminar, porque é difícil pra kct e não dá para salvar. Não iria dar muito certo, não é mesmo? Mas mesmo que você realmente goste de jogos com esta característica, títulos como Dark Souls ou até mesmo o Guacamelee que eu já escrevi por aqui, estão aí para mostrar que há jogos para todos os gostos, que podem trazer um bom desafio através de um game design inteligente, sem te punir só porque sim. É preciso entender também que nem sempre a proposta de um jogo é um desafio mecânico elevado, muitas vezes uma jogabilidade simples aliada a um desafio pequeno ou até mesmo nulo, dá lugar a uma narrativa mais elaborada. Tudo é questão de você buscar os jogos no estilo que mais lhe agrada.
Também é bem questionável o quesito qualidade. É fácil pegar uma lista com os melhores jogos da geração que você mais gosta e sair esfregando na cara da geração atual, falando que isso sim é que são bons jogos. Mas será que você lembrou de contabilizar os inúmeros jogos ruins que eram lançados entre um bom título e outro? Quem aí nunca pegou aquele CD esperto com um emulador e todos os jogos do Super Nintendo, e resolveu dar uma espiada em um por um, até se cansar de tanta merda e ir finalmente jogar um bom título conhecido? E não sejamos injustos, aposto que você consegue montar uma lista bem extensa de bons jogos da geração passada, independente do console que você escolha. Sempre bom lembrar também que o crash da indústria dos jogos, quando o alto número de títulos ruins e repetitivos fizeram com que o mercado ocidental de consoles viesse a baixo, rolou na década de 1980, não agora. Apesar dos alarmistas, eu acho que estamos bem longe de estarmos próximos de outro desses, eu vejo mais o mercado se diversificando em várias frentes, e por consequência tendo uma certa redução em alguns setores, mas não um crash como aquele.
Sobre as táticas cada vez mais abusivas das empresas, como o que abordamos recentemente na butecada de número 20, além de como eu sempre martelar, isso ser mais uma culpa nossa por aceitarmos essa situação com nossas carteiras do que das empresas visando lucro fácil, não vamos esquecer das picaretagens passadas também, como as inúmeras revisões de Street Fighter II feitas pela Capcom.
E não podemos ter uma visão tão estreita do mercado. Além de ser essencial entender que nem todo jogo foi feito para você, hoje temos um número tão grande de plataformas, como consoles, computadores e celulares, além de uma gama imensa de níveis de produção, dos infames AAA até os cada vez mais relevantes indies, que dizer que não há absolutamente nada de bom soa como um puramente "não quero saber e tenho raiva de quem sabe". Eu entendo que as pessoas se sintam lesadas quando investem caro em um console da geração atual, que ainda não apresentam jogos o suficiente que façam jús ao gasto, mas tornar a sua realidade a única para todos é simplesmente estúpido. Seria o mesmo que eu dizer que como eu tenho um Wii U e pouquíssimos jogos grandes são lançados para ele, então todo o mercado está nessa situação também. Sim, não estamos nos melhores tempos, há uma série de problemas, mas hey, sempre há, ou já esqueceram dos tropeços do início da geração passada e o quão bem ela terminou?
E eu não acho que bons jogos anulem outros bons jogos, independente da geração. Eu sempre costumo dizer que não existem jogos fora do seu tempo, ou que envelheceram mal, existem jogos bons e jogos ruins. Não é porque você cresceu em um fliperama jogando Street Fighter II, que é legitimamente um bom jogo de luta, e isso lhe traga boas recordações, que uma Street Fighter IV seja pior ou mesmo ruim. Talvez algumas coisas realmente não tenham ficado bem acertadas, mas colocar isso a frente da qualidade do jogo é um tanto quanto injusto. Eu, por exemplo, quando joguei a nova Killer Instinct, torci o nariz para as mudanças que fizeram na jogabilidade e direção de arte, de modo que eu verdadeiramente não sinto nenhuma vontade de jogá-lo, mas ainda sim eu sempre digo que é um bom título para o Xbox One, e que tem o seu espaço já firmado junto a comunidade de jogadores da plataforma. Meu cartucho de Killer Instinct Gold continua aqui em casa, funciona do mesmo jeito que antes, e eu nunca precisei que um novo jogo fosse lançado para que o meu gosto por ele fosse validado.
Sim, novamente, eu sei que existem coisas grotescas lançadas nos dias de hoje. Eu sempre gosto de dar o exemplo de Other M, porque ele é o caso mais representativo do que aconteceu comigo, de toda uma experiência criada ao longo das gerações ter sido jogada no lixo a troco de nada. Se ele tivesse chegado com sua proposta de entregar um jogo com um foco maior em narrativa, sacrificando toda a parte de exploração, mas feito isso de uma forma decente, acreditem, não teria sido o meu Metroid favorito, mas eu teria aceitado de boa. O problema é que ele se propôs a fazer algo que não conseguiu cumprir, e não porque ele tentou ser diferente do que foi estabelecido lá no Nintendinho. Como eu já citei várias vezes, o enredo desse jogo é ruim por si só.
É bem contraditório um grupo que clama tanto por ter o seu hobby reconhecido como arte, que anseia tanto por inovações, mas que se fecha tanto para experiências diversificadas e ficam presos a épocas e modelos antigos, além de não conseguir ter um senso crítico mínimo sobre as obras, independente de qual época foram apresentadas em suas vidas. Quando alguém diz que um Battletoads tem um game design ruim, frustrante e punitivo, não significa que está querendo destruir a sua infância ou tão pouco mudar o seu gosto pelo jogo, apenas apontado um fato, da mesma forma que todos criticaram duramente e merecidamente Assassin’s Creed Unity quando foi lançado, pelo número incontável de bugs que deixavam o jogo quebrado, além da experiência cada vez mais rasa oferecida pela série. Vejam bem, não foi a época que tornou esses jogos bons ou ruins, foi pura e simplesmente o processo de desenvolvimento deles, seja por um modelo adotado ou pela pressa em lançá-lo.
Então aprendam a aproveitar o melhor que cada geração tem a oferecer, sem que a nostalgia sobrepuje o senso crítico de vocês. Você lá jogando por dias seguidos até criar um calo no dedão e finalmente conseguindo zerar aquele jogo difícil pode ser uma ótima lembrança, mas se você ficar preso a ela, vai perder a oportunidade de formar outras lembranças tão boas quanto ou até mesmo melhores. Portanto escolham um bom jogo, seja ele para PC, console, celular, velho ou novo e Vão Jogar!
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