Existem vários pontos a se analisar na hora de dizer se um jogo é bom ou ruim, mas creio que não há crime maior do que um que não entrega o que se propõe a fazer. Bom, esse não é o caso de Tokyo Mirage Sessions #FE.
Para quem não se lembra, o jogo surgiu durante um Nintendo Direct em janeiro de 2013, sob o título provisório de Shin Megami Tensei x Fire Emblem, um inusitado crossover entre as duas séries, com desenvolvimento a cargo da Atlus e colaboração da Intelligent Systems, estúdios respectivamente responsáveis pelas séries. Porém por muito tempo nada sobre foi mencionado, dado por muitos inclusive como projeto cancelado, só aparecendo de maneira mais concreta em outra transmissão de 2015, desapontando muitos os fãs por não seguir clima mais "pesado" de ambas as séries. Por fim o jogo foi lançado na Ásia no final do ano passado e agora no meio do ano aqui no resto do globo.
Eu confesso nunca ter jogado nada de ambas as séries, o que já me leva a pedir desculpas de antemão sobre eu não comentar sobre as inúmeras referências que este jogo possuí. Ainda sim, posso dizer que a ideia do crossover não foi perdida, ela só não se deu da maneira que as pessoas esperavam. Ao invés de mesclar os dois universos, TMS#FE utiliza como base os sistemas de SMT, para criar um novo jogo, que possuí uma certa ligação com Fire Emblem, em especial os primeiros jogos da série, justificando o "#FE" no título. O último capítulo, por exemplo, é um grande ode a série de RPG estratégico da Nintendo / Intelligent Systems, que na minha opinião é levado de uma maneira bem respeitosa dentro do contexto do jogo, ainda que a batalha final seja meio sem graça.
Porém, crossovers e referências a parte, TMS#FE não deixa de ser um jogo com sua própria personalidade. A história se passa em nosso mundo, com as localidades baseadas na Tóquio real, focando mais especificamente no universo de ídolos pop asiáticos, seja no campo da música, moda, vocaloids, cinema e seriados televisivos. Este é um dos primeiros pontos que com certeza vai acabar afastando boa parte dos jogadores, já que toda a história gira em torno dessa temática, seguindo um grupo de adolescentes que almejam o seu lugar em meio a indústria do entretenimento, seja conseguindo emplacar um single ou conquistando um importante papel em uma série ou filme. Em meio a tudo isso existem dimensões paralelas, as idolasferas, de ondem vem os Mirages, seres que vem atacando humanos atrás de uma energia chamada Performa, que advém de suas habilidades performáticas. Porém alguns desses Mirages se aliam aos humanos, ajudando na luta contra os inimigos. Sem sombra de dúvidas é um jogo muito direcionado ao público adolescente, não sendo incomum encontrar comentários internet afora dizendo o quanto esse é o jogo mais incrível jogado pela pessoa.
Outro ponto determinante é que esse jogo é carregado de toda a "linguagem de anime", por assim dizer, trazendo todos as suas qualidade e defeitos, com aquela visão açucarada sobre amizade, garotas inocentes de seios inflados, universo completamente maniqueísta, onde todos se vestem de maneira extravagante e tendem a ter reações exageradas, além de diversos outros pormenores que com certeza me passaram batidos. Além disso, existe uma visão de mundo que é bem típica do tradicionalismo japonês e acaba tendo uma influência muito grande em determinados trechos da história. Por exemplo, em dado momento os personagens encontram uma criança que está triste por seus pais estarem se divorciando, e isso é colocado de maneira que aquela criança praticamente nunca mais terá a chance de ser feliz na vida por conta disso.
No que tange o jogo em si, o que mais vai determinar se você vai gostar dele ou não, é a sua paixão ou ódio por RPG japoneses tradicionais de turno, porque é exatamente isso que TMS#FE é. Esqueça tudo aquilo que eu falei sobre Xenoblade Chronicles X tentando fazer algo para o gênero seguir em frente na Ásia, aqui é da maneira mais clichê possível, ao ponto de que você vai prever a história de todos os personagens exatamente no momento em que eles são apresentados, incluindo o vilão, simplesmente pelo fato deles serem esteriótipos rasos que já vimos a exaustão no gênero, como a mulher extrovertida que vive bebendo ou o antagonista sério que acaba se unindo ao grupo. É um daqueles poucos casos em que realmente não há necessidade de ficar se preocupando muito em dar spoilers. Se isso vai ser algo que vai despertar o sono ou a nostalgia, vai depender de cada um.
Uma vez que você goste, ou não se incomode, com nenhum desses tópicos que descrevi, o que você vai encontrar é um JRPG simples e competente, mas obviamente sem nenhuma grande surpresa. Foram oitenta e tantas horas de jogo, que foram gastas muito mais em burocracias típicas, como necessidade de subir o nível dos personagens para passar de um chefe específico, ou passar horas analisando estatísticas de armas. Os diálogos por vezes são arrastados demais, ainda mais considerando que é uma história completamente rasa, e existem certos pormenores que acabam irritando um pouco, como a necessidade de sempre ter que ir a um local específico para evoluir as sua armas, quando tudo poderia ser resolvido facilmente através de um menu, o que é particularmente chato quando se está em uma dungeon. As missões secundárias, que existem para expandir as histórias pessoais de cada personagem, também são quase que dispensáveis, não fosse pelas ótimas recompensas que proporcionam e o fato de serem curtas.
Tecnicamente, TMS#FE também é um jogo que parece ter parado no tempo, muitas vezes eu pensei estar jogando algum RPG de PlayStation 2 em versão HD. A taxa de quadros costuma cair em batalhas contra muitos inimigos e com exceção das dungeons, os mapas são bem pequenos, ao ponto de que o local maior, Shibuya, possuí telas de carregamento ao atravessar a rua. Os gráficos no entanto são bonitos, embora o efeito meio "plástico" das texturas, por vezes brilhante demais, me incomode um pouco, semelhante ao que aconteceu com a versão HD de Wind Waker. Creio que um cel shading teria entregue uma experiência mais anime, mas este é um detalhe mais pessoal. No quesito bugs, somente um ocorreu e chegou a me atrapalhar, ao acessar o perfil de história da Tsubasa em algumas partes do jogo, o console travava.
Por outro lado, o GamePad, que acaba sendo um controle obrigatório no jogo, tem uma função própria para nos lembrar que no final das contas, estamos jogando em um Wii U. Dentro do jogo, os personagens se comunicam através de uma espécie de versão simplificada do WhatsApp ou outro que o valha, que é acessado exclusivamente pela tela do GamePad. As mensagens recebidas são variadas, sendo algumas vezes diálogos da história, informações úteis ou simplesmente conversa jogada fora. No geral não irrita muito, mas teve um trecho do jogo em específico que o GamePad ficou apitando o tempo todo ao ponto de eu querer muito aquela opção de silenciar o grupo por um ano. Inclusive eu cheguei a desbloquear uma conquista neste ponto, por ter acumulado um monte de mensagens não lidas. Outras funções também incluem o famoso mapa, que é essencial para não se perder em algumas dungeons, que muitas vezes são baseadas naquele esquema de "faça uma coisa aqui, para liberar uma passagem lá do outro lado", além de exibir o status dos seus aliados e inimigos durante as batalhas.
Bom, eu já disse que é um RPG com batalha por turno, daqueles que você pode demorar várias horas para tomar uma decisão. É tudo muito simples nesse sentido, as batalhas não são aleatórias, embora as vezes os inimigos apareçam em quantidade excessiva, e dentro das batalhas você pode escolher entre ataque, magia, defesa, itens, trocar de personagem durante a batalha (infelizmente o principal é fixo) e fugir. Eu não faço questão de esconder o quanto esse sistema não me é mais atraente, por achar que atualmente sistemas mais complexos e interessantes são possíveis, mas TMS#FE consegue expandir isso um pouco. Existe uma barra no topo da tela que indica a ordem dos ataques para os próximos turnos, o que faz com que o ato de escolher atacar determinado inimigo ou outro seja mais estratégico. Outra coisa é o sistema de combos, onde ao atacar um adversário com um elemento contra o qual ele possuí uma fraqueza irá desencadear um ataque secundário com os outros personagens dentro do turno de quem atacou, o que com o passar do jogo vai se tornando cada vez mais extenso. Os inimigos também conseguem fazer isso, o que costuma ser bem doloroso. E como não poderia deixar de ser, existem diversas habilidades especiais mais poderosas e exageradas, como algumas que são gastas ao custo de uma barra de especial única para todo o grupo, e outras que são acionadas de maneira meio aleatória, como as Ad-libs e as infames Duo Arts, onde dois personagens fazem alguma performance baseada em suas habilidades artísticas de maneiras muitas vezes extremamente bizarras. No geral as batalhas não são muito difíceis jogando na dificuldade Normal, mas em especial nos chefes, chegar em um nível bem maior que o deles acaba sendo essencial, se arriscar em níveis menores é meio complicado, pois as vezes um erro no meio da batalha te coloca em uma situação impossível de se recuperar, o que acaba sendo bem frustrante, até porque perder uma batalha é Game Over definitivo, sendo obrigatório carregar o último save. Felizmente é possível salvar a qualquer momento fora das batalhas e o jogo sempre dá um aviso antes de enfrentar algum chefe.
Mas sem dúvidas, o maior investimento desse jogo se deu em sua trilha sonora. Sendo desenvolvida pela Avex Group, uma grande empresa japonesa da área de entretenimento, a todo o momento você é bombardeado com algum J-POP, seja na história com as performances musicais dos personagens em algum clipe em anime, ou seja nas próprias batalhas, uma vez que boa parte dos ataques especiais são baseados nesses clipes, o que faz com que você acabe ouvindo certas músicas a exaustão até o ponto que elas não desgrudem mais da sua cabeça. Quando você descobrir que é possível cancelar a animação do ataque, já será tarde demais.
Como sempre costuma rolar nesse tipo de jogo, é claro que houve toda uma comoção em torno das adaptações feitas no ocidente, erroneamente taxadas de censura. Alguns trajes, principalmente das personagens femininas, sofreram diversas alterações para serem menos decotados e "provocantes", gerando as reclamações costumeiras. Claro que as alterações em nada afetam o jogo em nenhum aspecto, até porque eu já acho muitos dos trajes "exóticos" por demais, sendo que apenas uma adaptação me incomodou um pouco, mas pelo simples fato que ela não ficou esteticamente legal... passou em segundos.
Embora eu tenha gostado de Tokyo Mirage Sessions #FE, eu não sei dizer exatamente o motivo. Eu já não sou mais fã desse estilo de RPG, considerando-o bem inferior a títulos como Xenoblade por exemplo, também não sou o consumidor mais assíduo de animes ou esse tipo de cultura asiátic, salvo os tokusatsus antigos e coisas como Afro Samurai, Akira ou Samurai X. Talvez eu tenha deixado me levar simplesmente pelo bizarro mesmo, já que foi a forma com a qual eu encarei boa parte desse jogo, era tudo tão estranho que no final das contas eu acabava achando fascinante ou engraçado, e o sistema de combos nas batalhas me agradou bastante. No entanto, vale lembrar que esse é um jogo de nicho, e com certeza vai existir uma boa parcela de jogadores que vai amá-lo, e acho que ele acerta muito bem nesse quesito, entregando exatamente o que se espera do gênero. Eu entendo que boa parte dos fãs de Shin Megami Tensei e Fire Emblem tenham ficado decepcionados, mas eu não vejo muito motivo para reclamações, embora Tokyo Mirage Sessions #FE se baseie nas duas séries, ele é praticamente um produto separado, não afetando os originais. Então deixem a performa de vocês brilhar, e Vão Dançar! Cantar! Atuar! Jogar!
Embora Tokyo Mirage Sessions #FE não traga nenhuma novidade ao JRPG e, possua história e personagens completamente previsíveis, se trata de um jogo competente e bem feito, com algumas mecânicas interessantes e ótima produção musical, direcionado a um nicho que com certeza irá amá-lo. Avaliado noWii U (entenda o nosso sistema de notas)
nós esperavamos um SMT vs Fire Emblem...o que viraria no anime Berserk de certa forma. e bem, como o autor do post não jogou nenhum dos dois jogos, não há muito a se criticar. quem gostou, bom saber.
É o problema da expectativa. A real é que esse tipo de crossover, embora fosse o mais provável, nunca foi prometido, por isso eu acho a birra meio injustificada. Como eu disse, o jogo caminha por si só, tanto que nem senti falta de não ter jogado nenhuma das séries. Mas não creio muito em uma continuação, a história não deixa nenhuma brecha para isso, acho que será um projeto único mesmo.
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