Relembrar o passado é algo bom e eu digo até saudável. Dos momentos bons aos ruins, sempre é possível tirar lição de algo ou simplesmente rir de momentos engraçados que aconteceram com a gente. Porém passado não é presente, e embora seja proveitoso revisitá-lo, não é possível revivê-lo. Acontece que nem todo mundo pensa assim.
Principalmente para o pessoal mais velho, vídeo games fizeram parte da infância, não só pelos jogos e consoles, mas também pelas amizades feitas, o que torna as lembranças especiais. E para grande parte desse pessoal, a era de ouro dos vídeo games se deu entre a 3ª e 4ª geração de consoles, sendo o auge de tudo isto a grande briga entre as gigantes SEGA e Nintendo. De fato é inegável a excelente safra de jogos que foram lançados na época, sejam eles multiplaforma ou exclusivos, embora quase ninguém faça questão de lembrar a enxurrada de jogos ruins que também populavam os consoles.
O fato é que o tempo passou, as empresas mudaram e/ou faliram, e hoje temos um cenário muito diferente neste mercado tão novo e mutante. Algumas pessoas se adaptaram aos tempos modernos e seguiram em frente enquanto outras preferem continuar jogando seus velhos consoles, o que é perfeitamente compreensível e normal. Mas este não é o problema. O problema é quando algumas destas pessoas de um modo ou outro, presas ao passado, querem tentar revivê-lo ao invés de simplesmente continuar revisitando-o. Se não entenderam ainda o que quero dizer eu tenho dois ótimos exemplos.
Dreamcast 2
Quantos de vocês não já leram ou ouviram em algum canto da internet o boato de que a SEGA voltaria ao ramo dos consoles? E para completar, quase que imediatamente em uníssono um monte de viúvas gritando: Dreamcast 2! Muitas vezes não é? Agora me digam com sinceridade uma coisa: vamos supor que esta utopia se tornasse realidade, o que poderiamos esperar de um Dreamcast 2? Antes de responder definitivamente esta pergunta, deveríamos nos perguntar antes o que o Dreamcast foi. E esta definição não pode ser algo simples e emotivo como "o melhor console que a SEGA fez" ou "bem melhor que o PlayStation 2".
O Dreamcast antes de mais nada foi uma cartada desesperada da SEGA. A empresa perdeu a briga com a Nintendo na era 16-bits (comercialmente, comercialmente...) e se embananou toda com o mal sucedido SEGA Saturn, o que a deixava em um péssimo cenário para a geração seguinte. Para piorar tudo, a má administração que a empresa sempre teve a deixou esgotada financeiramente, diferente das concorrentes que mesmo perdendo, ganhavam. Como tudo que é ruim pode piorar, a Sony havia se dado muito bem com o seu PlayStation, e o frisson em cima do seu sucessor praticamente jogava a pá de cal em cima da casa de Sonic. Mas não dava para simplesmente jogar a toalha, então os caras fizeram o que podiam: montaram um bom hardware, bem mais fácil de programar que o seu antecessor e com ótima relação custo x benefício, criaram uma série de recursos novos como atrativo, tais como o VMU e modem integrado, e lançaram tudo isso bem antes da concorrência, com o intuito de ter uma base instalada grande antes dos outros e tentar segurar as pontas. O plano parecia bom, mas teve vários problemas: o hardware ficou rapidamente defasado, um dos maiores atrativos que foi o modo online, dependia de um modem para internet discada, o adaptador para banda larga era vendido separadamente e demorou chegar no mercado norte americano, fora que a desconfiança tanto de empresas quanto dos jogadores não fez a coisa ir lá as mil maravilhas como esperavam. Por fim a bandeira branca foi hasteada e a SEGA se rendeu.
- Mas peraê, se deu tudo errado porque o console é tão querido assim?
A resposta para isto não poderia ser mais óbvia: jogos. Se na parte financeira as coisas não iam bem, a parte criativa da SEGA estava no seu auge, cuspindo excelentes jogos para todos os lados: Space Channel 5, Jet Set Radio, REZ, Shenmue e muitos outros, foram jogos marcantes que fariam qualquer console ser lembrado independente do seu hardware. Uma empresa que deu uma boa mão para a SEGA na época foi a Capcom, que além de ter lançado na plataforma vários títulos da série VS, Street Fighter e Resident Evil, nos presenteou com o fodástico Power Stone. Então de um modo prático, o Dreamcast como hardware foi bem irrelevante, os jogos lançados para ele sim que foram marcantes, embora infelizmente alguns como Shenmue também tenha sido culpados pela sua ruína, com orçamentos muito além do que a SEGA tinha condições de gastar. Só para ter uma idéia de como Shenmue foi custoso, nem se fossem vendidos todas as cópias a conta seria paga, e as vendas foram bem ruins, inclusive Shenmue 2 não chegou a sair nos Estados Unidos.
Então peguemos todo este cenário e tentemos adaptá-lo aos dias atuais. Vamos levar em consideração que o hardware do Dreamcast era bem feijão com arroz e que mesmo os seus apetrechos hoje não seriam novidade alguma, então seguindo este mesmo modelo poderiamos ter algo semelhante ao X-Box 360. O controle talvez pudesse ter alguma inovação, embora eu não consiga pensar em nada de imediato. O problema é que eu não botaria muita fé em um console feita pela Sammy, especializada em bugigangas e não em hardware. Mas como o forte do Dreamcast foi os jogos, poderiamos apostar ae, certo? Bem, este é um outro grande problema, uma vez que a SEGA não tem apresentado muitos bons jogos ultimamente, pelo menos não no nível do que ela apresentou no Dreamcast. Vale lembrar também que alguns estúdios daquela época nem existem mais, e recentemente a empresa anunciou uma série de cortes em sua estrutura, se propondo a levar em frente apenas as suas principais franquias.
Agora me digam, dá pra haver expectativa real com um cenário destes? Claro que sonhar não custa nada, e volta e meia aparece algum designer com um projeto conceitual do Dreamcast 2, mas querer qualquer coisa a mais é muita perda de tempo.
Super Nintendo 2
Um outro console que também volta e meia o povo pede, embora com menos de fervor, é o Super Nintendo 2, embora durante os anúncios da Nintendo na E3 deste ano eu tenha visto muita gente falando que a Nintendo deveria anunciar o dito cujo. Embora o cenário deste "futuro console" seja bem diferente do Dreamcast, na prática ele se mostra tão irrelevante e improvável quanto.
O Super Nintendo disputou palmo a palmo os jogadores do mundo inteiro ao lado do Mega Drive, proporcionando uma das fases mais memoráveis do mundo dos jogos. Nesta época a Nintendo ainda tinha a grande parte das grandes produtoras ao seu lado (amarradas e acorentadas, diga-se de passagem), como Square (Chrono Trigger), Capcom (Rockman X), Enix (Dragon Quest), Konami (Drácula X), Rare (Donkey Kong Country) e outras, garantindo diversos clássicos de sucesso. Em termos de hardware a disputa foi bem equilibrada naquela geração, e embora o console sofresse no processamento, ao contrário do seu rival, o modo gráfico Mode 7 aliado aos diversos chips especiais criados para os cartuchos expandiam muito bem as capacidades quando necessário, e sem a necessidade de qualquer add-on. Toda esta mistura de elementos favoráveis não poderiam ter um resultado diferente: a Nintendo conquistou a maior parte do mercado e transformou o seu vídeo game em um dos ícones de sua geração. Resumindo: Super Nintendo tinha um hardware razoável, mas no nível da concorrência, grande apoio das terceiras e excelente biblioteca de jogos.
Novamente fazendo o exercício de trazer o console para os dias atuais o que poderíamos esperar? Bom, em termos de hardware é fato que atualmente a Nintendo normalmente está a um passo atrás das concorrentes, o que teoricamente será "corrigido" com o Wii U, certo? Apoio das terceiras também é um problema, desde a 5ª geração a empresa sofre com isso, embora eu diga que no Wii a coisa já tenha melhorado bastante, e creio que no Wii U melhore ainda mais. Excelente biblioteca de jogos nunca foi problema para a Nintendo, todos os seus consoles são muito bem servidos, o que faltou mesmo foram alguns títulos que ela perdeu exclusividade, como Final Fantasy por exemplo. No entanto novas franquias surgiram, da própria Nintendo ou de terceiros, e continuando com o exemplo dos RPGs, o Wii recebeu o excelente Xenoblade Chronicles, ganhou um jogo do criador de Final Fantasy, The Last Story e de lambuja vai receber Dragon Quest X, com um sistema online parrudo e que também sairá para o Wii U.
Analisando tudo isto, a primeira conclusão que eu tiro é: quando as pessoas pedem um Super Nintendo 2, ou elas querem um cenário parecido com o que houve naquela época, o que em teoria (e com muita fé) coloca o Wii U como sucessor (se os planos da Big N derem certo, o que é muito incerto ainda), ou então simplesmente um nome. E se a diferença for puramente de nome, eu diria que o sucessor direto do console, o Nintendo 64, pode muito bem ser considerado o Super Nintendo 2, até mesmo a mídia dos jogos é praticamente a mesma. E olha que nem considerei ainda que o Game Boy Advance é praticamente a versão portátil do vídeo game. No fim, tudo que eu consigo ver nesse pedido dos fãs é isso mesmo, um nome, uma vez que a Nintendo, diferente da SEGA e seu Dreamcast, é uma empresa que está ae até hoje firme no mercado, e tudo que necessita são ajustes em suas estratégias. Anunciar um Super Nintendo 2 nos dias de hoje, não seria nada mais que uma estratégia de marketing barato, que até poderia surtir efeito nos jogadores mais velhos, mas duvido que funcionasse com os mais novos.
Enfim
Quando um jogador deseja alguma segunda versão de um console que ele tem um certo carinho, ele nada mais quer do que reviver uma época boa de sua vida como jogador, e dificilmente neste seu devaneio ele pensa em como isto seria viável no mercado hoje. Fora que Super Nintendo e Dreamcast são consoles mais velhos, mesmo que o nome fosse utilizado, no final das contas eles pouco teriam a ver em termos de hardware devido ao tempo transcorrido. As pessoas deveriam aprender a olhar para frente e aproveitar o que o mercado oferece atualmente, ou então procurem no Mercado Livre pelo console antigo, comprem e joguem bastante, afinal os jogos ainda funcionam da mesma forma que naquela época. Eu particularmente gosto dos dois mundos, ambos me proporcionam muita diversão e momentos de relaxamento. Esperando o que então? Peguem aquela velha manete enconstada no canto e divirtam-se, vão jogar!
* Revisado em 03/03/2013 às 02:59:43
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